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22/11/2003 - 04h49

Stendhal contagia com estilo nítido e inquieto

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MARCELO COELHO
Colunista da Folha de S.Paulo

"O Vermelho e o Negro", de Stendhal (1783-1842), é um dos maiores romances de todos os tempos. Tive a sorte de lê-lo com 15 anos; essa, a meu ver, é a idade certa para acompanhar as aventuras de Julien Sorel. Todo adolescente se identifica com aquele "rapazinho de aspecto frágil, com traços irregulares porém delicados" (assim ele surge num dos primeiros capítulos).

Continuemos. Julien tinha "grandes olhos negros, que nos momentos tranquilos anunciavam reflexão e ardor". Naquele momento, contudo, ele acabou de levar uns safanões do pai, numa cena que mescla a comédia à injustiça. Ei-lo animado "pelo ódio mais feroz". O retrato prossegue desfavorável: "Os cabelos castanho-escuros, nascendo muito baixo, davam-lhe uma testa pequena e, nos momentos de raiva, um ar maldoso. (...) Objeto do desprezo de todos em casa, odiava os irmãos e o pai; nos jogos de domingo, na praça pública, era sempre derrotado".

Há muito pouco de heróico e de idealizado nesse primeiro esboço, que capta como que "ao vivo" os traços do protagonista. Veremos ao longo do livro que Julien é bem mais do que esse retrato sugeria; ele cresce a cada capítulo. Talvez seja isso o que o torna tão simpático ao leitor adolescente. Julien oscila entre o vexame e o triunfo, num mundo habitado por pessoas superiores à sua condição, mas inferiores à sua inteligência.

Seu ídolo é Napoleão Bonaparte. Mas, na época em que se passa a história, a da Restauração absolutista na França (1815-30), Napoleão e seus defensores (entre eles o próprio Stendhal) estão em desgraça; admirá-lo é algo de imprudente e inconfessável. A vida militar (o "vermelho" do uniforme) não mais oferece oportunidades de ascensão; Julien apostará na carreira eclesiástica (o "negro" da batina).

Mas ainda não falei da sra. de Rênal nem de Mathilde de La Mole, que vão mudar bastante os planos de nosso herói... e vejo que o espaço desta resenha já está terminando. A pressa, a precipitação, a vontade de ir em frente, custe o que custar, é talvez o que há de mais contagiante na prosa de Stendhal. O estilo seco, nítido, inquieto, que se permite toda sorte de interpolações, sorrisos e comentários irônicos do narrador, não diminui, antes imita, o ímpeto romântico do protagonista.

Disse no começo que a melhor idade para ler "O Vermelho e o Negro" são os 15 anos. Mas reli o romance dez anos depois, e releio-o agora: sinto-me tão jovem quanto da primeira vez. "Nenhum outro romancista", diz o crítico Harold Bloom, "faz tão bem a seus leitores".

A precisa tradução de Raquel do Prado não perde tempo com notas de rodapé; essa edição exibe, como atrações extra, um modesto prefácio de Tarsila do Amaral e um ensaio algo enfarruscado de Heinrich Mann. Curiosidades editoriais a que se soma um apêndice com valiosas indicações de leitura suplementar.

Avaliação:

O Vermelho e o Negro
Autor: Stendhal
Tradução: Raquel do Prado
Editora: Cosac e Naify
Quanto: R$ 49 (573 págs.)
 

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