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23/11/2003 - 05h34

Crítica: Quando a barbárie fica uma "gracinha"

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BIA ABRAMO
Colunista da Folha de S.Paulo

Desta vez, foi a Hebe. Diante das câmeras, a decana da TV brasileira abriu a boca. Falou demais, deu voz à indignação óbvia e ululante diante das mortes bárbaras de Felipe Silva Caffé, 19, e Liana Friedenbach, 16. Pode ser processada pelo Ministério Público pelas declarações que fez a respeito do menor acusado pelo assassinato.

No programa da última segunda, Hebe disse que, "se pudesse", faria uma entrevista com o menor. "Ele ia virar linguiça", acrescentou, acompanhando a frase com um gesto obsceno.

Animada, passou do condicional para a afirmação, naquele tom intimista, à vontade, que é tão característico da apresentadora: "Viu, Xampinha? Eu vou fazer uma entrevista com você, vou mesmo".

Daí, ela muda novamente para a atitude "corajosa", "franca", que também se tornou sua marca: "Se me deixarem, eu vou, mas eu vou armada. Eu saio de lá e vou para a cadeia. Mas ele não fica vivo".

Debate

Até o fechamento desta coluna, o Ministério Público apenas havia solicitado ao SBT cópias do programa que foi ao ar na última segunda para decidir se as declarações da apresentadora configuram apologia ao crime e incitação à violência. Mas já havia aberto outro debate sobre a responsabilidade social da TV.

Em uma definição feliz, o promotor Carlos Cardoso quase que já matou a questão, ao classificar a fala de Hebe como um "misto de desabafo e bravata" e, ainda, constatar que essa combinação explosiva e irresponsável tornou-se "muito frequente em programas de TV".

Não, ela não vocifera como os apresentadores de programas vespertinos, mas sua fala é tão mais perniciosa quanto eficiente.

O cenário que remete a uma sala de visitas onde ela recebe convidados que, via de regra, se dobram à "simpatia" da dona-de-casa é propício ao desabafo, à expressão de uma indignação que, se por um lado é perfeitamente compreensível, por outro, é também cruelmente manipulada e explorada.

Na TV, sobretudo, na fala daqueles que embaralham de propósito os limites do público e do privado, o desabafo transfigura-se em bravata, e esta, em ameaça num piscar de olhos.

A ameaça, neste caso específico, não é à integridade física do menor criminoso, mas sim àqueles que ainda ousam desafinar o coro da vingança, que defendem a aplicação da lei, que acreditam na civilização e em suas conquistas contra a barbárie.

É como se fosse um pito público dirigido àquelas pessoas, instituições que resistem a embarcar na ideologia de retaliação que vem infiltrando o debate público sobre as soluções para a violência. E quem melhor do que a Hebe, a "gracinha", a fada madrinha da TV brasileira, para fazer passar esse pito?
 

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