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26/11/2003
-
07h47
FÁBIO VICTOR
da Folha de S.Paulo
É como se, numa pororoca, o rio Apa (MT) desaguasse no Tietê, misturando tudo de lirismo e sujeira que existe num e noutro. Quem joga o leitor na tormenta é Joca Reiners Terron, 35, com seu "Curva de Rio Sujo".
O escritor, editor e designer gráfico mato-grossense mergulha em águas caríssimas à literatura, mas pouco desbravadas em seus trabalhos anteriores, as novelas "Não Há Nada Lá" (2001) e "Hotel Hell" (2003). É da memória que trata essa reunião de contos, e no título está posta a metáfora que traduz os fantasmas amontoados no imaginário. "Curva de rio sujo só junta tranqueira", diz o autor. Igualzinho à memória, emenda.
O universo infantil de Terron emerge na primeira parte do livro, aberta com o nascimento de sua mãe. Surge um Mato Grosso repleto de capangas cantando guarânias, rios onde bóiam cadáveres, índios hostis, motoqueiros que morrem como moscas, incesto, zoofilia, abuso sexual.
Nascido em Cuiabá, o escritor, que vive em São Paulo, morou até os 16 anos em cidades de MT e MS: Cuiabá, Alto Araguaia, Bela Vista, Fátima do Sul e Dourados. Fundamental no livro, a recuperação desse imaginário é também estopim do seu processo criativo.
"A memória é um poderoso instrumento de fabulação amoral, assim como a mentira. Como sempre foi difícil lembrar coisas da infância, me apropriava das lembranças dos outros para criar as minhas próprias. Sob esse aspecto, o esforço para lembrar dos fatos da infância foi meu primeiro exercício ficcional."
No capítulo "infantil" é que está o conto "Monarks Atravessam o Apa", no qual três "enfants terribles" da literatura universal (Peter Pan, aqui chamado de "El Pan", Huckleberry Finn, o colega de Tom Sawyer na obra de Mark Twain, e Nemecek, herói de "Os Meninos da Rua Paulo") se juntam para tentar recuperar o coração do narrador, arrancado pelo líder de uma gangue indígena paraguaia. É uma espécie de versão teen do festejado romance de estréia do autor, "Não Há Nada Lá", delírio pop integrando ícones da contracultura. "É exatamente o que faço em "Curva", utilizando desta vez as figuras anônimas da minha família", conta Terron.
Apesar de "Monarks...", é na segunda parte do livro, cujos protagonistas agora são adultos, que talvez haja mais ecos de trabalhos anteriores. "É a transformação de um menino imaginativo do interior em um adulto que trocou a imaginação pelas drogas e pelas mazelas da cidade grande. Também nesse sentido o livro procura retratar o fim da infância."
Assim, crianças da primeira parte se transmutam, na segunda, em novos personagens, adultos --sem que necessariamente o leitor perceba. Ficam para o final do livro duas das mais ricas narrativas, "Um Drive-In sob o Céu da Boca", em que um míope que vê imagens do cinema em manchas de parede, e o quase-poema "O Último Vagão Some, os Trilhos e a Música", atormentada declaração de amor à literatura.
Debate
Autores integrantes da chamada Geração 90, da qual Terron faz parte, participam de um debate hoje, às 19h, na livraria Cultura do shopping Villa Lobos (av. Nações Unidas, 4.777, tel. 0/xx/11/3024-3599). "Em busca de um estilo - Geração 90, entre continuidade e ruptura: uma visão de autor" terá a presença de Nelson de Oliveira, Heitor Ferraz, Juliano Garcia Pessanha, Marcelo Mirisola e Luiz Ruffato.
CURVA DE RIO SUJO
Autor: Joca Reiners Terron
Quanto: R$ 35 (136 págs.)
Editora: Planeta
Lançamento: hoje, a partir das 18h30
Onde: livraria Cultura (av. Paulista, 2073, tel. 0/xx/11/ 3170-4033)
Terron mergulha atrás de infância perdida
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da Folha de S.Paulo
É como se, numa pororoca, o rio Apa (MT) desaguasse no Tietê, misturando tudo de lirismo e sujeira que existe num e noutro. Quem joga o leitor na tormenta é Joca Reiners Terron, 35, com seu "Curva de Rio Sujo".
O escritor, editor e designer gráfico mato-grossense mergulha em águas caríssimas à literatura, mas pouco desbravadas em seus trabalhos anteriores, as novelas "Não Há Nada Lá" (2001) e "Hotel Hell" (2003). É da memória que trata essa reunião de contos, e no título está posta a metáfora que traduz os fantasmas amontoados no imaginário. "Curva de rio sujo só junta tranqueira", diz o autor. Igualzinho à memória, emenda.
O universo infantil de Terron emerge na primeira parte do livro, aberta com o nascimento de sua mãe. Surge um Mato Grosso repleto de capangas cantando guarânias, rios onde bóiam cadáveres, índios hostis, motoqueiros que morrem como moscas, incesto, zoofilia, abuso sexual.
Nascido em Cuiabá, o escritor, que vive em São Paulo, morou até os 16 anos em cidades de MT e MS: Cuiabá, Alto Araguaia, Bela Vista, Fátima do Sul e Dourados. Fundamental no livro, a recuperação desse imaginário é também estopim do seu processo criativo.
"A memória é um poderoso instrumento de fabulação amoral, assim como a mentira. Como sempre foi difícil lembrar coisas da infância, me apropriava das lembranças dos outros para criar as minhas próprias. Sob esse aspecto, o esforço para lembrar dos fatos da infância foi meu primeiro exercício ficcional."
No capítulo "infantil" é que está o conto "Monarks Atravessam o Apa", no qual três "enfants terribles" da literatura universal (Peter Pan, aqui chamado de "El Pan", Huckleberry Finn, o colega de Tom Sawyer na obra de Mark Twain, e Nemecek, herói de "Os Meninos da Rua Paulo") se juntam para tentar recuperar o coração do narrador, arrancado pelo líder de uma gangue indígena paraguaia. É uma espécie de versão teen do festejado romance de estréia do autor, "Não Há Nada Lá", delírio pop integrando ícones da contracultura. "É exatamente o que faço em "Curva", utilizando desta vez as figuras anônimas da minha família", conta Terron.
Apesar de "Monarks...", é na segunda parte do livro, cujos protagonistas agora são adultos, que talvez haja mais ecos de trabalhos anteriores. "É a transformação de um menino imaginativo do interior em um adulto que trocou a imaginação pelas drogas e pelas mazelas da cidade grande. Também nesse sentido o livro procura retratar o fim da infância."
Assim, crianças da primeira parte se transmutam, na segunda, em novos personagens, adultos --sem que necessariamente o leitor perceba. Ficam para o final do livro duas das mais ricas narrativas, "Um Drive-In sob o Céu da Boca", em que um míope que vê imagens do cinema em manchas de parede, e o quase-poema "O Último Vagão Some, os Trilhos e a Música", atormentada declaração de amor à literatura.
Debate
Autores integrantes da chamada Geração 90, da qual Terron faz parte, participam de um debate hoje, às 19h, na livraria Cultura do shopping Villa Lobos (av. Nações Unidas, 4.777, tel. 0/xx/11/3024-3599). "Em busca de um estilo - Geração 90, entre continuidade e ruptura: uma visão de autor" terá a presença de Nelson de Oliveira, Heitor Ferraz, Juliano Garcia Pessanha, Marcelo Mirisola e Luiz Ruffato.
CURVA DE RIO SUJO
Autor: Joca Reiners Terron
Quanto: R$ 35 (136 págs.)
Editora: Planeta
Lançamento: hoje, a partir das 18h30
Onde: livraria Cultura (av. Paulista, 2073, tel. 0/xx/11/ 3170-4033)
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