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30/11/2003 - 09h13

Em estudo, autor destrincha indústria do lazer

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JULIANA MONACHESI
free-lance para a Folha

O nome do proto-Silvio Santos é Phineas Taylor Barnum (1810-1891), primeiro showman da história. Viajando pelos Estados Unidos em 1835, ele levava objetos, animais ou pessoas estranhas para apresentar ao povo.

Uma senhora negra de 160 anos, segundo afirmava, que teria cuidado de George Washington, era sua principal atração. Barnum "foi um dos primeiros a exercer profissionalmente a arte do entretenimento nos EUA", escreve Luiz Gonzaga Godoi Trigo no livro "Entretenimento - Uma Crítica Aberta" (ed. Senac, 216 págs., R$ 20), resultado de sua tese de livre-docência na Escola de Comunicações e Artes da USP.

A "proto-Disney World" também foi obra de Barnum, que em 1851 tentou construir uma cidade do futuro em Bridgeport, que não vingou. Apenas 131 anos depois um projeto similar seria concluído na Flórida, o "Experimental Prototype Community of Tomorrow", o Epcot Center da Disney.

Por meio de histórias saborosas como a de Barnum, o autor apresenta na primeira metade do livro uma ampla cronologia do entretenimento moderno, enveredando por informações sobre feiras mundiais e parques temáticos (a montanha-russa, por exemplo, é atribuída à vontade de alguns russos de andar de trenó no verão).

Trigo defende uma "crítica aberta", expondo as visões da esquerda, da direita e dos situacionistas sobre o tema para, no final, delegar ao leitor uma tomada de posição.

Formado em filosofia e turismo, fato que diz ter possibilitado realizar a reflexão desse livro, o autor falou ao Mais! sobre os impactos do entretenimento na sociedade: "No Brasil, a gente ainda subestima o poder econômico, cultural e social do entretenimento, e as pessoas não percebem o quanto ele forja as nossas vidas".

A concepção apocalíptica que a Teoria Crítica [de Adorno e Horkheimer] tinha da cultura de massa está superada?

A realidade atropelou tanto as teorias de entretenimento que o mundo ficou ao mesmo tempo apocalíptico e integrado. Na verdade, o paradigma da pós-modernidade representa uma mudança profunda nas ciências humanas -é por isso que a pós-modernidade não tem um consenso acadêmico, porque é uma fratura exposta. Apesar disso, eu acho que Guy Débord foi no nervo da questão, porque tudo virou um espetáculo: a política, a religião, a mídia, e isso é um problema porque pode causar alienação.

Quer dizer, voltamos ao conceito de Marx por um outro caminho. É uma questão que se coloca, mas, se as pessoas tiverem capacidade de reflexão e análise, o entretenimento não é um problema, ele se põe como um problema enquanto alienação devido aos baixos níveis educacionais e à exclusão.

Ao mesmo tempo, contudo, o entretenimento acaba por instrumentalizar a sociedade a respeito de determinados temas, papel que a novela historicamente desempenhou no Brasil, por exemplo. Qual a razão disso?

Por um lado, o entretenimento precisa vender --no caso da televisão, é necessário ter audiência; por outro, a nossa sociedade é hipócrita, e existem alguns temas a respeito dos quais não fica bem o Estado, a Igreja ou a imprensa séria falarem. As novelas no Brasil, de uma forma muito inteligente, colocam em pauta certos temas a pretexto de socializar, conscientizar ou abrir espaço para o debate, mas também para garantir maior audiência. Porque, à medida que se instaura uma polêmica, isso é uma publicidade institucionalizada do produto cultural.

Como o sr. analisa a mudança de posição dos gigantes do entretenimento, que, acusados de buscar inculcar a ideologia imperialista, passaram a contemplar as minorias em filmes como Aladdin, Pocahontas etc.?

Por três razões: mercado, sociedade e cinismo, quer dizer, a sociedade pressionou, então eles tomaram e tomam o máximo cuidado sobre como irão representar os índios, os muçulmanos, os africanos e os chineses, porque já houve problemas gravíssimos em relação a isso.
Do ponto de vista do mercado, eles querem vender seus produtos e não querem ter problemas com sociedade e com cultura, o que torna necessário, para evitar que isso fique completamente estéril, que haja algo muito inteligente --em "Procurando Nemo", por exemplo, eles criticam os próprios americanos--, esteticamente diferente --aí entra a computação gráfica-- e criatividade --aí entra a arte pura. Ou seja, existe vida inteligente no mundo do entretenimento.

No Brasil existe um monopólio de recursos públicos destinados à cultura por instituições culturais ligadas a bancos. Como o sr. vê esse paradoxo de o setor financeiro determinar o que é o "bom" entretenimento?

É mesmo um paradoxo, mas, por exemplo, o Mix Brasil foi bancado pelo grande capital (Unibanco, Banco do Brasil, Petrobras) e é eminentemente mais aberto. Eu penso que, à medida que a sociedade for mais organizada, vai ser mais fácil articular e abrir espaço para minorias e para os excluídos. Parte desse grande capital percebeu, por sinceridade, que precisa atender a essas demandas, e parte viu uma oportunidade de fazer bons negócios.

O sr. afirma em uma passagem do livro que o "Santo Graal da economia do entretenimento é o fenômeno". Que sobrevida o sr. diria que esse paradigma pode ter?

Esse fenômeno não é muito controlado, do contrário a indústria o produziria sempre em literatura, em música, em cinema, em espetáculos teatrais. [O filme] "A Bruxa de Blair" estourou sem que ninguém esperasse que desse tão certo. Apesar de não os controlar, a indústria do entretenimento é extremamente competente em absorver esses fenômenos e reproduzi-los infinitamente. E o sistema se tornou tão poderoso que ele dá risada de si mesmo, dá espaço para crítica. Então, se por um lado as pessoas estão alienadas por estarem excluídas do processo cultural-educacional, tem muitas que ou não se importam e são cínicas ou colaboram para que isso aconteça porque lhes interessa particularmente. Não é à toa que no Brasil uma música chamada "Tô Nem aí" [da cantora Luka] faz tanto sucesso.

Voltamos à questão da cidadania: quanto mais as pessoas tiverem acesso à educação, mais reflexão crítica nós teremos, e menos as pessoas ficarão à mercê desse cenário: só espetáculo. Sempre haverá espaço para o fenômeno porque o nosso cenário é de espetáculo. O 11 de Setembro é emblemático: mesmo os críticos que não querem esse sistema de maneira alguma, que são os fundamentalistas religiosos, se utilizam dessa linguagem para atingir seus objetivos.

Por que há tão poucos estudos sobre o entretenimento?

Porque no Brasil a gente ainda subestima o poder econômico, cultural e social do entretenimento, e a universidade tem preconceito em acolher essa temática. As pessoas não percebem o quanto ele forja as nossas vidas, a vida das crianças. Sem contar o fato de que as maiores empresas do mundo são as do entretenimento. Isso não está sendo devidamente discutido. Assim como há uma teoria da comunicação, é preciso que a gente comece a criar uma teoria do entretenimento, porque é muito cômodo para a indústria do entretenimento que ela não seja discutida.
 

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