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04/12/2003
-
04h16
SERGIO SALVIA COELHO
Crítico da Folha de S.Paulo
Tendo como tema principal a nova dramaturgia nordestina, a Mostra de Dramaturgia Contemporânea do Sesi esta semana apresenta duas peças cujos temas são mais tradicionalmente ligados à região.
"Braseiro", do cearense Marcos Barbosa, trata de jura de morte em uma briga de vizinhos; "Coiteiros de Paixões", do pernambucano Luiz Felipe Botelho, mostra o cotidiano em um fictício esconderijo de cangaceiros. No entanto, o tratamento dos temas escapa ao folclórico pela radicalização do tom, que os encenadores souberam ressaltar ao máximo. Neste programa duplo, portanto, o que se observa é o inferno e o céu na terra do sol.
O texto de Marcos Barbosa tem uma rusticidade sem concessões. As personagens não possuem nome: um homem aguarda notícias do filho mais velho, que foi pego roubando boi de seus vizinhos jagunços e, depois, condenado a ser queimado vivo. Os diálogos são secos, as esperanças giram em falso, e a angústia crescente vai tomando uma densidade de tragédia grega.
Amparada por Daniela Thomas, cujo cenário-instalação tem uma ancestralidade que remete ao seu trabalho junto a Gerald Thomas, a diretora Débora Dubois corre todos os riscos. Põe nos atores uma voz gutural, muito abaixo do confortável, e uma marcação rígida e estilizada, como a do teatro japonês. A garra com que o elenco encara o desafio honra o projeto do Teatro Promíscuo, baseado, antes de tudo, na versatilidade do ator. O público, atônito, sufoca risos nervosos; alguns se irritam e saem, mas não há indiferença: feita para incomodar, ultrapassando a fronteira do ridículo para estabelecer um estranho universo grotesco, "Braseiro" é uma peça instigante e desconfortável.
Para o público que supera a provação, a peça seguinte, "Coiteiros de Paixões", é um bálsamo. A aridez da brasa dá lugar à utopia de um rio subterrâneo no meio do sertão, em um lugar secreto perfeito para um esconderijo de cangaceiros, um "coito". O termo logo ganha um duplo sentido simbólico.
Pelos olhos do foragido Epitácio (em delicada interpretação de Ariel Borghi), vamos descobrindo esta mistura de Macondo com a floresta de Sherwood, uma comunidade pansexual na qual o cangaceiro-travesti Carmen Lúcia (Elcio Seixas, impagável) convive com Aurora, que só anda nua (Valéria Pontes, desenvolta diante da efervescente platéia do Sesi) e o padre Hauser, sob medida para o anarquismo de Renato Borghi, que opta por trocar a hóstia pela maçã, em uma grande idéia da diretora.
A diretora Johana Albuquerque endossa apaixonadamente o tom de fábula do texto, encenando narrativas, usando ao máximo o cenário simples e versátil, sem nunca cair no deboche. Afinal, a ternura é o maior prêmio da subversão, como parece afirmar o texto do dramaturgo Luiz Felipe Botelho, um autor a ser acompanhado de perto.
Avaliação:
Braseiro
Avaliação:
Coiteiros de Paixões
Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, SP, tel. 0/xx/11/3146-7405)
Quando: de hoje a dom., às 20h30
Quanto: entrada franca
Mostra do Sesi polariza Nordeste entre céu e inferno
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Crítico da Folha de S.Paulo
Tendo como tema principal a nova dramaturgia nordestina, a Mostra de Dramaturgia Contemporânea do Sesi esta semana apresenta duas peças cujos temas são mais tradicionalmente ligados à região.
"Braseiro", do cearense Marcos Barbosa, trata de jura de morte em uma briga de vizinhos; "Coiteiros de Paixões", do pernambucano Luiz Felipe Botelho, mostra o cotidiano em um fictício esconderijo de cangaceiros. No entanto, o tratamento dos temas escapa ao folclórico pela radicalização do tom, que os encenadores souberam ressaltar ao máximo. Neste programa duplo, portanto, o que se observa é o inferno e o céu na terra do sol.
O texto de Marcos Barbosa tem uma rusticidade sem concessões. As personagens não possuem nome: um homem aguarda notícias do filho mais velho, que foi pego roubando boi de seus vizinhos jagunços e, depois, condenado a ser queimado vivo. Os diálogos são secos, as esperanças giram em falso, e a angústia crescente vai tomando uma densidade de tragédia grega.
Amparada por Daniela Thomas, cujo cenário-instalação tem uma ancestralidade que remete ao seu trabalho junto a Gerald Thomas, a diretora Débora Dubois corre todos os riscos. Põe nos atores uma voz gutural, muito abaixo do confortável, e uma marcação rígida e estilizada, como a do teatro japonês. A garra com que o elenco encara o desafio honra o projeto do Teatro Promíscuo, baseado, antes de tudo, na versatilidade do ator. O público, atônito, sufoca risos nervosos; alguns se irritam e saem, mas não há indiferença: feita para incomodar, ultrapassando a fronteira do ridículo para estabelecer um estranho universo grotesco, "Braseiro" é uma peça instigante e desconfortável.
Para o público que supera a provação, a peça seguinte, "Coiteiros de Paixões", é um bálsamo. A aridez da brasa dá lugar à utopia de um rio subterrâneo no meio do sertão, em um lugar secreto perfeito para um esconderijo de cangaceiros, um "coito". O termo logo ganha um duplo sentido simbólico.
Pelos olhos do foragido Epitácio (em delicada interpretação de Ariel Borghi), vamos descobrindo esta mistura de Macondo com a floresta de Sherwood, uma comunidade pansexual na qual o cangaceiro-travesti Carmen Lúcia (Elcio Seixas, impagável) convive com Aurora, que só anda nua (Valéria Pontes, desenvolta diante da efervescente platéia do Sesi) e o padre Hauser, sob medida para o anarquismo de Renato Borghi, que opta por trocar a hóstia pela maçã, em uma grande idéia da diretora.
A diretora Johana Albuquerque endossa apaixonadamente o tom de fábula do texto, encenando narrativas, usando ao máximo o cenário simples e versátil, sem nunca cair no deboche. Afinal, a ternura é o maior prêmio da subversão, como parece afirmar o texto do dramaturgo Luiz Felipe Botelho, um autor a ser acompanhado de perto.
Avaliação:
Braseiro
Avaliação:
Coiteiros de Paixões
Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, SP, tel. 0/xx/11/3146-7405)
Quando: de hoje a dom., às 20h30
Quanto: entrada franca
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