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21/12/2003 - 04h09

Violência vira piada nas mãos de Tarantino

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SYLVIA COLOMBO
Editora-adjunta da Ilustrada

Em uma das várias cenas célebres de "Pulp Fiction" (1994), o bandido encarnado por Samuel L. Jackson cita uma passagem bíblica (Ezequiel, 25/17) para justificar uma vingança brutal.

A obsessão --uma das muitas de Tarantino-- pelo tema desdobra-se em "Kill Bill" numa narrativa que visita filmes de artes marciais, faroeste, "Matrix" e ainda toma emprestada a linguagem das animações japonesas.

Sem o cabelo tipo Cleópatra que a celebrizou no supracitado "Pulp Fiction", Uma Thurman é The Bride (a Noiva), que acaba de sair de um coma de quatro anos desde que foi baleada na cabeça em seu casamento. Na ocasião, a temível turma de Bill assassinara brutalmente o noivo, padrinhos e convidados da cerimônia e acreditara também ter dado um fim nela e na criança que levava na barriga.

Mas o fato é que Thurman acorda e não está para brincadeira. Quer exterminar um a um seus algozes, sem nenhuma preocupação em ser pega --até porque a polícia nunca dá as caras- ou de nos poupar de cenas grotescas de membros e órgãos extirpados. Seu visual, roupa e tênis amarelos --fáceis de sujar-- imita o de Bruce Lee em "O Jogo da Morte".

Mas o mais sangrento dos filmes do diretor é também o mais bem humorado e provocador. Pode-se anular as críticas à sua excessiva violência ao observá-la de perto. É puro escracho. Como nos desenhos animados em que os socos vinham acompanhados de onomatopéias ("pow", "soc"). Aqui, cabeças decepadas deixam os troncos esguichando sangue como no mais tosco filme B.

Numa das cenas centrais, Thurman enfrenta um bando de guardiões japoneses. A proporção é a mesma daquela entre Neo contra os agentes Smith em "Matrix Reloaded". Só que desta vez os guardiões são estraçalhados, pedaços de corpos ficam jogados no chão enquanto os restos que vivem se arrastam sobre o rio de sangue. Exageradamente explícito e sarcástico para levar a sério.

O principal alvo da Noiva nesse episódio é O-Ren Ishii (Lucy Liu). Matadora profissional, Ishii tem sua história contada por meio de uma engenhosa animação japonesa que tenta justificar o comportamento, digamos, raivoso da moça ao mostrar que esta viu os pais sendo mortos enquanto se escondia debaixo da cama.

Curiosamente, Ishii não é a única menina a presenciar o assassinato dos pais. A própria Thurman liquida uma mãe na frente da filha em meio aos seus cereais coloridos e ainda oferece à garotinha, docemente, a oportunidade de vingar-se dela um dia. Tarantino parece querer povoar o planeta de mulheres vingativas e furiosas.

O cineasta diz que seus filmes devem ser colocados na estante de comédias. Se não dá para concordar inteiramente quando se trata de produções como "Cães de Aluguel" (92) ou "Jackie Brown" (97), aqui não há nenhuma dúvida. Tarantino --que já foi ele próprio empregado de uma locadora- agora acertou de prateleira, e "Kill Bill" pode sim fazer companhia a Woody Allen ou Cantinflas.

Kill Bill
Direção: Quentin Tarantino
Produção: EUA, 2003
Com: Uma Thurman, Lucy Liu, David Carradine e Daryl Hannah
 

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