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10/01/2004
-
05h54
SERGIO SALVIA COELHO
crítico da Folha
Teria Heiner Müller (1929-95) superado Bertolt Brecht (1898-1956)? A provocação abre "Heiner Müller, o Espanto no Teatro", da editora Perspectiva, que é fiel ao princípio de só publicar as obras de um autor acompanhando-as de seu contexto crítico e histórico. A organizadora Ingrid Koudela, especialista nos dois dramaturgos, resolve essa falsa questão na introdução com uma frase do próprio Müller: "Usar Brecht, sem criticá-lo, é traição".
O teatro dialético, a serviço da reflexão de quem o vê e quem o faz, não pode se limitar a dogmas para o marketing dos "brechtianos". Superar Brecht foi, antes de tudo, a meta do próprio Brecht.
Müller --que teve celebrado ontem os 75 anos de seu nascimento--ed, portanto, sucedendo o mestre no comando de seu Berliner Ensemble, incorpora a seus objetivos os meios do pós-modernismo, como demonstra Ruth Röhl no ensaio que se segue, cuidadosa análise das montagens do autor e encenador a partir de 1976. E é ele mesmo que o comprova na sequência do volume, em suas análises de Brecht, Artaud e Pina Bausch, em apaixonado endosso pelo desprezo ao literário e o fascínio pelo teatro físico.
Essa recusa da receita escrita e o amor pela performance faz com que seu pensamento seja melhor registrado em entrevistas: segue-se, pois, um depoimento a Lotringer, sobre a vida na Berlim dividida pelo muro, e outro a Umbrecht, sobre seus processos criativos. Por fim, quando se chega às duas peças suas, são muito mais que textos mortos. "Horácio", em tradução de Koudela e já montado por Márcio Aurélio em 1988 em São Paulo, se abre a outras encenações possíveis; o inédito Macbeth (traduzido por Alexandre Krug), surpreende por sua fidelidade ao original de Shakespeare, intensificado apenas em lirismo e ferocidade. Gerald Thomas, o outro grande encenador de Müller no Brasil, costuma tomar mais liberdade.
Teria então Müller sido superado por Gerald Thomas e Márcio Aurélio? Claro que sim. Desvencilhando-se dos adoradores de múmias, o seu texto se constituirá sempre em novo ponto de partida. Que a grama cresça em seu túmulo: Müller já virou semente.
Avaliação:
Heiner Müller, o Espanto no Teatro
Autor: Ingrid Koudela
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 26 (200 págs.)
Publicação de Heiner Müller se abre a superações
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crítico da Folha
Teria Heiner Müller (1929-95) superado Bertolt Brecht (1898-1956)? A provocação abre "Heiner Müller, o Espanto no Teatro", da editora Perspectiva, que é fiel ao princípio de só publicar as obras de um autor acompanhando-as de seu contexto crítico e histórico. A organizadora Ingrid Koudela, especialista nos dois dramaturgos, resolve essa falsa questão na introdução com uma frase do próprio Müller: "Usar Brecht, sem criticá-lo, é traição".
O teatro dialético, a serviço da reflexão de quem o vê e quem o faz, não pode se limitar a dogmas para o marketing dos "brechtianos". Superar Brecht foi, antes de tudo, a meta do próprio Brecht.
Müller --que teve celebrado ontem os 75 anos de seu nascimento--ed, portanto, sucedendo o mestre no comando de seu Berliner Ensemble, incorpora a seus objetivos os meios do pós-modernismo, como demonstra Ruth Röhl no ensaio que se segue, cuidadosa análise das montagens do autor e encenador a partir de 1976. E é ele mesmo que o comprova na sequência do volume, em suas análises de Brecht, Artaud e Pina Bausch, em apaixonado endosso pelo desprezo ao literário e o fascínio pelo teatro físico.
Essa recusa da receita escrita e o amor pela performance faz com que seu pensamento seja melhor registrado em entrevistas: segue-se, pois, um depoimento a Lotringer, sobre a vida na Berlim dividida pelo muro, e outro a Umbrecht, sobre seus processos criativos. Por fim, quando se chega às duas peças suas, são muito mais que textos mortos. "Horácio", em tradução de Koudela e já montado por Márcio Aurélio em 1988 em São Paulo, se abre a outras encenações possíveis; o inédito Macbeth (traduzido por Alexandre Krug), surpreende por sua fidelidade ao original de Shakespeare, intensificado apenas em lirismo e ferocidade. Gerald Thomas, o outro grande encenador de Müller no Brasil, costuma tomar mais liberdade.
Teria então Müller sido superado por Gerald Thomas e Márcio Aurélio? Claro que sim. Desvencilhando-se dos adoradores de múmias, o seu texto se constituirá sempre em novo ponto de partida. Que a grama cresça em seu túmulo: Müller já virou semente.
Avaliação:
Heiner Müller, o Espanto no Teatro
Autor: Ingrid Koudela
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 26 (200 págs.)
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