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17/01/2004
-
05h40
RICARDO BONALUME NETO
da Folha de S.Paulo
Talvez o mais surpreendente neste novo livro do historiador Ricardo Salles seja o fato de algo assim ter demorado tanto tempo para ser publicado. É o primeiro grande livro ilustrado sobre a Guerra do Paraguai (1865-1870), o maior conflito da história da América Latina.
O interesse brasileiro pela guerra é pequeno. Contrasta, por exemplo, com a mania americana pela Guerra Civil, ocorrida na mesma época (1861-1865). Em livrarias dos EUA é comum ver estantes devotadas à história militar, com metade das prateleiras sobre a Guerra Civil.
A Guerra do Paraguai, Guerra da Tríplice Aliança ou La Guerra Grande, como se diz no país que a provocou e que a perdeu, sempre foi interpretada com pesados filtros ideológicos.
Antes havia a versão ufanista, que falava das "glórias" do Exército que combateu um tirano autoritário. Depois veio a linha dita "revisionista", que achava que a guerra era uma mera conspiração do imperialismo britânico para sufocar o "autônomo" Paraguai.
Raras e saudáveis exceções fugindo dessas abordagens simplistas --e falsas, no caso da teoria conspiratória-- foram os excelentes livros de Francisco Doratioto, "Maldita Guerra" (Companhia das Letras, 2002), e André Toral, "Imagens em Desordem" (USP, 2002).
Quem quiser se aprofundar no tema deve procurar esses livros. Este de agora tem textos curtos, precisos. Seu valor é a primorosa seleção de imagens. As imagens da guerra que o brasileiro médio conhece são as dos quadros épicos, pinturas em geral encomendadas pelo governo imperial como uma espécie de propaganda.
As fotos contam outra história. Em parte elas tinham a função de souvenires. Álbuns de fotos eram vendidos aos oficiais como "recuerdo". Muitas pertencem ao acervo da Biblioteca Nacional e são quase inéditas (o caderno Mais! desta Folha publicou algumas em 1997, por exemplo).
Salles editou uma foto de cadáveres tomando duas páginas. Se alguém quer saber o que é uma guerra, basta ver essa foto. Diz o velho clichê que uma foto vale por mil palavras. Mas só para quem entende a sua linguagem. A falha do livro é não explorar melhor os detalhes de algumas imagens.
Por exemplo, "oficiais e um padre posam para a fotografia", diz legenda óbvia da foto na página 162. Mas a foto tem mais coisa, como diz o historiador Adler Homero Fonseca de Castro, que é curador de armas portáteis do Museu Militar Conde de Linhares. Atrás dos oficiais um sargento do Batalhão Naval está ao lado de um pombal --pombos-correio eram usados como meio de comunicação militar.
Outras fotos ilustram armas que não foram usadas no Paraguai. A "espingarda a minié" da página 151 é na verdade uma minié Springfield modelo 1863 feita nos EUA (até há no fecho uma águia americana). A granada de canhão Whitworth calibre 4 libras (página 152) não foi usada na guerra; o Brasil empregava então a de calibre 32 libras, diz Adler.
Avaliação:
Guerra do Paraguai - Memórias & Imagens
Autor: Ricardo Salles
Editora: Edições Biblioteca Nacional
Preço: R$ 80 (256 págs.)
Livro compila imagens que retratam a Guerra do Paraguai
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da Folha de S.Paulo
Talvez o mais surpreendente neste novo livro do historiador Ricardo Salles seja o fato de algo assim ter demorado tanto tempo para ser publicado. É o primeiro grande livro ilustrado sobre a Guerra do Paraguai (1865-1870), o maior conflito da história da América Latina.
O interesse brasileiro pela guerra é pequeno. Contrasta, por exemplo, com a mania americana pela Guerra Civil, ocorrida na mesma época (1861-1865). Em livrarias dos EUA é comum ver estantes devotadas à história militar, com metade das prateleiras sobre a Guerra Civil.
A Guerra do Paraguai, Guerra da Tríplice Aliança ou La Guerra Grande, como se diz no país que a provocou e que a perdeu, sempre foi interpretada com pesados filtros ideológicos.
Antes havia a versão ufanista, que falava das "glórias" do Exército que combateu um tirano autoritário. Depois veio a linha dita "revisionista", que achava que a guerra era uma mera conspiração do imperialismo britânico para sufocar o "autônomo" Paraguai.
Raras e saudáveis exceções fugindo dessas abordagens simplistas --e falsas, no caso da teoria conspiratória-- foram os excelentes livros de Francisco Doratioto, "Maldita Guerra" (Companhia das Letras, 2002), e André Toral, "Imagens em Desordem" (USP, 2002).
Quem quiser se aprofundar no tema deve procurar esses livros. Este de agora tem textos curtos, precisos. Seu valor é a primorosa seleção de imagens. As imagens da guerra que o brasileiro médio conhece são as dos quadros épicos, pinturas em geral encomendadas pelo governo imperial como uma espécie de propaganda.
As fotos contam outra história. Em parte elas tinham a função de souvenires. Álbuns de fotos eram vendidos aos oficiais como "recuerdo". Muitas pertencem ao acervo da Biblioteca Nacional e são quase inéditas (o caderno Mais! desta Folha publicou algumas em 1997, por exemplo).
Salles editou uma foto de cadáveres tomando duas páginas. Se alguém quer saber o que é uma guerra, basta ver essa foto. Diz o velho clichê que uma foto vale por mil palavras. Mas só para quem entende a sua linguagem. A falha do livro é não explorar melhor os detalhes de algumas imagens.
Por exemplo, "oficiais e um padre posam para a fotografia", diz legenda óbvia da foto na página 162. Mas a foto tem mais coisa, como diz o historiador Adler Homero Fonseca de Castro, que é curador de armas portáteis do Museu Militar Conde de Linhares. Atrás dos oficiais um sargento do Batalhão Naval está ao lado de um pombal --pombos-correio eram usados como meio de comunicação militar.
Outras fotos ilustram armas que não foram usadas no Paraguai. A "espingarda a minié" da página 151 é na verdade uma minié Springfield modelo 1863 feita nos EUA (até há no fecho uma águia americana). A granada de canhão Whitworth calibre 4 libras (página 152) não foi usada na guerra; o Brasil empregava então a de calibre 32 libras, diz Adler.
Avaliação:
Guerra do Paraguai - Memórias & Imagens
Autor: Ricardo Salles
Editora: Edições Biblioteca Nacional
Preço: R$ 80 (256 págs.)
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