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22/01/2004
-
04h05
TIAGO MATA MACHADO
Crítico da Folha de S.Paulo
Primeiro dos "Narradores de Javé", Zaqueu (Nelson Xavier), personagem que faz a intermediação, até mesmo no vocabulário, entre o Brasil profundo dos sertões e o Brasil oficial do litoral, conta sua história a um jovem de passagem, em um boteco.
A história do dia em que ele anunciou aos habitantes do vilarejo de Javé que a construção de uma hidrelétrica iria desalojar a todos. Contra a ameaça das águas e do esquecimento, os javelianos decidiram erguer seu "patrimônio oral", levando a memória viva de seu povo para o livro da "História Grande do Vale de Javé".
O encarregado de protagonizar a quixotesca empreitada é Antônio Biá (José Dumont), escrivão solitário numa terra de analfabetos. O problema é que Biá, "intelectuário e alcoólatra", não é nenhum Euclydes da Cunha. Com sua mania de "amelhorar" o depoimento dos javelianos, o escrevinhador lança em cena uma velha querela historiográfica: são mesmo os registros oficiais mais confiáveis, para historiadores, do que fontes orais? Para os defensores da história oral, os testemunhos coletados em pesquisas de campo estão mais próximos da fonte original e podem ter os seus dados checados mais facilmente.
Com o roteiro escrito com o dramaturgo Luiz Alberto Abreu, a diretora Eliane Caffé partiu para o sertão com sua equipe, esperando encontrar nos habitantes de Gameleira da Lapa a autenticidade de seu projeto. Retomando o método de "Kenoma", Caffé amadureceu seu trabalho no convívio com habitantes e realidade locais.
O porém é que os restringiu à figuração. Caffé só chegou àquela que deveria ser a essência do projeto por um atalho desnecessário no roteiro: com uma câmera, um engenheiro da hidrelétrica, registra testemunhos de alguns nativos, dando-lhes por fim voz ativa.
De certa forma, Caffé perde a oportunidade de estabelecer um diálogo em igualdade de condições entre equipe e nativos, entre atores e personagens reais, e se aprofundar na relação entre documentário e ficção. Por outro lado, a opção lhe permite não perder de vista o tom picaresco que visa imprimir à sua comédia.
Avaliação:
Narradores de Javé
Produção: Brasil, 2003
Direção: Eliane Caffé
Com: José Dumont, Matheus Nachtergaele, Nelson Xavier
Quando: a partir de amanhã, nos cines Morumbi, Espaço Unibanco e circuito
Leia mais
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Crítico da Folha de S.Paulo
Primeiro dos "Narradores de Javé", Zaqueu (Nelson Xavier), personagem que faz a intermediação, até mesmo no vocabulário, entre o Brasil profundo dos sertões e o Brasil oficial do litoral, conta sua história a um jovem de passagem, em um boteco.
A história do dia em que ele anunciou aos habitantes do vilarejo de Javé que a construção de uma hidrelétrica iria desalojar a todos. Contra a ameaça das águas e do esquecimento, os javelianos decidiram erguer seu "patrimônio oral", levando a memória viva de seu povo para o livro da "História Grande do Vale de Javé".
O encarregado de protagonizar a quixotesca empreitada é Antônio Biá (José Dumont), escrivão solitário numa terra de analfabetos. O problema é que Biá, "intelectuário e alcoólatra", não é nenhum Euclydes da Cunha. Com sua mania de "amelhorar" o depoimento dos javelianos, o escrevinhador lança em cena uma velha querela historiográfica: são mesmo os registros oficiais mais confiáveis, para historiadores, do que fontes orais? Para os defensores da história oral, os testemunhos coletados em pesquisas de campo estão mais próximos da fonte original e podem ter os seus dados checados mais facilmente.
Com o roteiro escrito com o dramaturgo Luiz Alberto Abreu, a diretora Eliane Caffé partiu para o sertão com sua equipe, esperando encontrar nos habitantes de Gameleira da Lapa a autenticidade de seu projeto. Retomando o método de "Kenoma", Caffé amadureceu seu trabalho no convívio com habitantes e realidade locais.
O porém é que os restringiu à figuração. Caffé só chegou àquela que deveria ser a essência do projeto por um atalho desnecessário no roteiro: com uma câmera, um engenheiro da hidrelétrica, registra testemunhos de alguns nativos, dando-lhes por fim voz ativa.
De certa forma, Caffé perde a oportunidade de estabelecer um diálogo em igualdade de condições entre equipe e nativos, entre atores e personagens reais, e se aprofundar na relação entre documentário e ficção. Por outro lado, a opção lhe permite não perder de vista o tom picaresco que visa imprimir à sua comédia.
Avaliação:
Narradores de Javé
Produção: Brasil, 2003
Direção: Eliane Caffé
Com: José Dumont, Matheus Nachtergaele, Nelson Xavier
Quando: a partir de amanhã, nos cines Morumbi, Espaço Unibanco e circuito
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