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06/02/2004 - 06h07

Caixa reúne 12 discos de Raimundo Fagner

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

No sofrido projeto de reedificação da memória musical brasileira, é hora e vez do cearense Raimundo Fagner, 54, que tem 12 de seus discos da fase 1975-85 reeditados em CD numa caixa da Sony Music.

Com exceção do álbum inaugural "Manera Fru Fru, Manera" (73), que pertence à Universal, estão ali os trabalhos mais importantes de um artista que até hoje nunca deixou de ser controverso, polêmico, áspero, ríspido --na música e fora dela.

Pertencente à quase sempre instável "turma do Ceará", Fagner ensaiou liderar uma geração pós-tropicalista de compositores nordestinos, que chegava puxada também por seus conterrâneos Belchior e Ednardo e por outros nordestinos como Zé Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Cátia de França etc.

Porta-voz da tal geração agreste que chegava, logo se fez porta-voz também da briga com os tropicalistas, em especial com Caetano Veloso, num bate-boca que vazou pela imprensa junto com a produção de Fagner nos anos 70.

A disputa por espaço foi feroz. O espírito irascível de Fagner lhe concedeu e retirou prestígio, em proporções às vezes equivalentes. Também o canto alto, expressionista, às vezes esganiçado, rendia adesão e repúdio simultâneos.

Conservou distância bélica dos tropicalistas, mas com o tempo foi conquistando parceiros de consistência como Elis Regina, Chico Buarque, Nara Leão e a maioria dos melhores instrumentistas nacionais dos 70. Fagner seguia (des)equilibrando-se entre extremos dramáticos.

Tentou constituir um curral de música nordestina na Sony (então CBS), atuando como diretor, produtor e autor para artistas conterrâneos que só conseguiram gravar discos sob sua guarda. Tinha um quê de coronel na atuação, mas outro tanto de generosidade com talentos cearenses, paraibanos, pernambucanos...

Fez discos de experimentação radical como "Ave Noturna" (75) e "Orós" (77, todo bordado em parceria com o radical Hermeto Pascoal). O experimentalismo de "Cebola Cortada" (77) conquistou seguidores, enquanto releituras rascantes de Cartola ("As Rosas Não Falam", em 78) e Paulinho da Viola ("Sinal Fechado", em 76) provocavam revolta, por supostamente profanas.

Cantou músicas de forte apelo comercial, como "Revelação" (78), "Noturno" (79, tema da novela "Coração Alado") e "Eternas Ondas" (80). Pareciam meros hits grudentos de rádio, mas continham alta poesia e estavam incrustadas em discos de qualidade de arranjos e instrumentação.

Acusações de plágio

Mesmo reverenciando sempre o Nordeste à moda de Luiz Gonzaga, Fagner levou a conseqüências drásticas as utopias de unidade latino-americana que haviam seduzido os tropicalistas nos anos 60 e eram continuados nos 70 por Elis, Milton Nascimento, Ney Matogrosso, os heróis do rock rural Sá, Rodrix & Guarabyra etc.

Assim emoldurou o gutural pan-americanismo de "Traduzir-Se" (81), com participações de Camaron de la Isla e Mercedes Sosa, num tempo em que já derrapava em celeumas extracurriculares.

É que desde 79 as herdeiras de Cecília Meirelles reclamavam na Justiça o uso indevido de trechos de textos da poeta por Fagner, em faixas de "Manera Fru Fru, Manera", "Orós" e "Eu Canto - Quem Viver Chorará" (78).

Só nos anos 2000 um acordo permitiria a reedição de "Canteiros" (73), marco inicial do sucesso musical e das confusões autorais de Fagner. Por precaução mutiladora, a Sony e o pesquisador Marcelo Fróes extirparam as "parcerias" de Cecília da caixa.

As denúncias por suposto plágio e a invasão de teclados tecnopop nos 80 solaparam Fagner, que edulcorou sucessos ainda eficientes como "Guerreiro Menino" (83) em discos medianos.

Era menos do que estava por vir, quando ele aderisse à BMG e à fábrica musical da dupla pop Michael Sullivan-Paulo Massadas --a imagem de ídolo brega boiando em "borbulhas de amor" colaria a partir daí em intensidade desmedida, desmerecida.

"Raimundo Fagner", a caixa, permite agora a reavaliação de tanta ambigüidade. Ouvi-la é trabalho de força, já que a voz de Fagner (como as de outros contemporâneos) não veio mesmo para acalmar nem para afagar. A MPB já esteve floreada dessas vozes, que, sim, lhe davam alento.

Avaliação:

Raimundo Fagner
Lançamento:
Sony
Quanto: R$ 170, em média
 

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