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10/02/2004 - 07h01

Livro mostra capacidade de transformação da obra de escultor

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LUCRECIA ZAPPI
free-lance para a Folha

No parque Ibirapuera, há quem atire pedrinhas na lagoa, assim como há quem queira testar a solidez das esculturas e seus sons na obra de José Resende, 59. O escultor paulistano diz ter se surpreendido ao ver sua obra sendo apedrejada no parque. "Essa é a apropriação urbana que fazem do meu trabalho: musical", afirma Resende, bem-humorado.

Esse jogo vigoroso que marca uma nova relação da capacidade de transformação pública de sua obra pode ser visto no livro "José Resende", a ser lançado em março pela Cosac & Naify. Num tom de documentação, a edição reúne o melhor das quatro décadas de Resende como escultor.

O material foi organizado não cronologicamente, "mas através de associações entre imagens que formam um contraponto com o trabalho", segundo Resende. Há dois textos, um de Patrícia Corrêa que, de acordo com o escultor, é um "olho novo" sobre sua obra, e a cronologia por Fabiana Werneck Barcinsky. O projeto gráfico é de Raul Loureiro.

Apesar de dizer estar mais interessado em explorar as potencialidades de espaços abertos que "cercar" sua obra num lugar restrito, Resende, que já participou de quatro Bienais de São Paulo, além das de Paris, Veneza, Sydney e da Documenta em Kassel, na Alemanha, expõe seu trabalho na galeria Paulo Fernandes, no Rio, até novembro.

Em seu ateliê, perto do parque Ibirapuera, Resende falou à Folha sobre a obra de arte no espaço público, seus projetos, a Escola Brasil (estratégia artística do início dos anos 70 de romper com a academia empreendida por Resende, Carlos Fajardo, Luiz Baravelli e Frederico Nasser) e a Arte Povera (movimento italiano dos meados dos anos 60 que parte da associação e do uso de materiais não convencionais, como néon e palha).

Folha - Como é a experiência de colocar obras na rua?
José Resende -
A questão pública para a cultura é um processo a se inaugurar no Brasil. As pessoas têm pouca consciência sobre a cidade. Por outro lado, contracenar com algo que é público é uma tentação muito interessante porque é uma coisa que não é resolvida voluntariamente. Transformar um trabalho público num bem público é um passo importante a ser pensado. Uma obra minha que vira um instrumento no Ibirapuera, onde se joga pedra para ouvir som, acaba se tornando um "não-trabalho", que não tem problema de ser pichado porque as pessoas limpam. Não é maravilhoso?

Folha - Como você descobriu isso?
Resende -
Aconteceu num fim de semana. Eu ouvi uns barulhos, mas não associei a origem do som. Era uma imagem trágica: estavam apedrejando a minha peça! E ainda na minha frente, às quatro da tarde!

Folha - É essa a apropriação do espaço público pelo seu trabalho?
Resende -
No Rio tem a "Negona", que as pessoas andam e ela samba, e aqui temos um instrumento musical (risos). Então o acesso público do trabalho está vindo pela musicalidade. Não é à toa que é um país muito musical e que a música é o que de fato sociabiliza mais a cultura. Espero que eu consiga pegar esse gancho!

Folha - Qual é o nome da peça?
Resende -
A peça nunca teve nome e depois disso nem vou por! Aliás, tem um apelido que o Waltércio [Caldas] deu e que é muito bom, que é "Centopéia", porque parece que tem umas perninhas. Lembra o verso do Lezama Lima que diz: "A alegria da centopéia é quando chega o cruzamento".

Folha - Poucos trabalhos seus têm título. Por quê?
Resende -
Meu trabalho nunca tem muito título, a palavra fica meio avessa. O trabalho cria uma figura, e eu acho que nomear isso nem sempre é fácil. Outros ganham apelidos que se tornam próximos, como "Fred Astaire" ou a "Negona".

Folha - Como era o ambiente na faculdade de arquitetura no Mackenzie nos anos 60?
Resende -
Como a faculdade de arquitetura era o único curso superior ligado à arte, você vai encontrar uma série de artistas mais ou menos da mesma idade que eu, em São Paulo, que tiveram uma relação direta ou indireta com o curso. Estudei no Mackenzie, que ficava na frente da FAU (USP). A biblioteca da FAU assinava todas as revistas. Era uma coisa muito mais atuante, acho que isso se perdeu um pouco.

Folha - A Escola Brasil se tornou um mito?
Resende -
Eu acho que cada vez tem menos mito, caindo até para o esquecimento. Ainda bem. Não porque haja algum ressentimento meu, mas acho que a escola por um certo momento, tornando-se escola, virou um adjetivo pejorativo, uma espécie de academia. Nesse aspecto foi ruim. Quando você fala em Escola Brasil, essa coisa mais íntima e fechada de escola apaga um pouco o movimento de afirmação do próprio trabalho. O que ficou como referência foi uma independência de tentativa profissional, foi uma alternativa de sair dos caminhos mais oficiais como os salões de arte.

Folha - Há uma ligação direta entre sua obra e a Arte Povera?
Resende -
O teor da Arte Povera foi muito pontual nos anos 70, um diálogo com isso era inevitável. Mas, por mais que se eleja como uma coisa original, eu acho que, se a Arte Povera tivesse conhecido a seu tempo o "Parangolé" do Hélio Oiticica, teria sofrido um grande impacto, porque ele foi o precursor de uma ação que o Michelangelo Pistoletto estava tentando com o teatro de rua. O meu trabalho tem materiais que podem ser associados à Arte Povera, mas não tem a coisa alegórica da Arte Povera. Não tem as lanças do Gilberto Zorio ou o mapa da Itália.

JOSÉ RESENDE
Textos:
Patrícia Corrêa e Fabiana Werneck Barcinsky
Editora: Cosac & Naify
Quanto: ainda não definido
 

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