10/03/2004 - 04h57

"Terça Insana" e "Pessoas Invisíveis" ganham versão digital

SERGIO SALVIA COELHO
Crítico da Folha de S.Paulo

Qual a melhor forma de registrar uma peça de teatro? Sendo uma arte efêmera por excelência, "escrita na areia" segundo a fórmula consagrada de Peter Brook, em geral as tentativas de preservar além da memória do espectador um espetáculo ou uma performance marcante resultam em documentos frios, em cinema ou vídeo.

A foto, com um poder evocativo bem maior, deve porém se limitar a momentos-síntese. Surge agora o DVD, que com uma interatividade maior, e com a capacidade de não só reproduzir o espetáculo como documentar o processo de criação, vem cada vez mais se habilitar a essa difícil tarefa.

O desafio é ainda maior quando o espetáculo a ser registrado é o "Terça Insana", show cult de humor surgido quase que clandestinamente no teatro N.Ex.T em São Paulo, em 2001, e que agora se consagra definitivamente com o lançamento do DVD produzido pela Trama. Mesmo lotando hoje uma casa de 500 lugares, o Avenida Club, o "Terça Insana" mantém inalterada a fórmula de "stand up comedy", curtos esquetes improvisados que, de uma semana para outra, só repetem personagens, nunca as cenas, cantos e paródias.

Apesar de reproduzir performances ao vivo, o DVD ainda não supera o "esfriamento" por mostrar na tela muitas piadas que só se sustentaram no calor da platéia cúmplice, dando aqui e ali a impressão desagradável de risos pré-gravados. Documenta, no entanto, o carisma de Marcelo Mansfield, que tem a verve de Dario Fo, e de Grace Gianoukas, que transformou sua Aline Dorel em um ícone de geração equivalente à Rê Bordosa de Angeli.

Mais ambiciosa é a produção da Raça Filmes para o Armazém Companhia de Teatro, que vem registrando, desde 2002, a produção do importante grupo que veio de Londrina. Seu primeiro DVD, "Da Arte de Subir em Telhados", talvez o primeiro DVD teatral produzido no Brasil, mantém a grande qualidade visual das produções do grupo. Partindo do espetáculo ao vivo, chega a uma linguagem híbrida de teatro e vídeo, com um valor em si, o que se confirma nos vídeos seguintes, como o "Pessoas Invisíveis", de 2003.

É de lamentar apenas que o tom de voz grandiloqüente, "teatral", acabe ofuscando às vezes as delicadas atuações do elenco comandado pelo diretor Paulo de Moraes, coisa fácil de corrigir na dublagem da pós-produção.

Mas, em temos de resgate da memória teatral, é exemplar o "extra" do primeiro DVD, que por ocasião dos 15 anos do grupo retraça passo a passo a trajetória do Armazém, colhendo depoimentos do "convidado" Paulo Autran (que foi o Próspero de uma montagem antológica em Londrina) e de cada ator.

Impossível não compartilhar com Autran o fascínio por esse grupo que sempre se arriscou pela paixão, ao ver por exemplo a grande atriz Patrícia Selonk revivendo, em prantos, as primeiras montagens. Porque, em última análise, como afirma Patrice Pavis, o verdadeiro guardião da memória do teatro é o ator, seu corpo, sua emoção. E, se depender da paixão e da teimosia dos atores, um grande caminho se abre com o registro do teatro em DVD.

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