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12/03/2004
-
05h59
INÁCIO ARAUJO
Crítico da Folha de S.Paulo
"Na Captura dos Friedmans" não é o título que mais bem expressa o que este filme busca. Parece que houve uma captura policial e que o cinema estava lá, como testemunha. Isso até ocorre, em parte. Ainda assim, um nome como "Capturando os Friedmans" teria a virtude da exatidão.
A história começa com Arnold Friedman, professor, pianista e pedófilo. À descoberta de algumas revistas pornográficas em sua casa, sucede a acusação policial: Arnold teria tido relações com seus alunos. Segue-se o processo e a prisão.
O caso envolve também um de seus filhos, Jesse, que forçaria as crianças a terem relações com Arnold. Para a polícia tudo é claro. Algo, no entanto, escapa ao bom entendimento: como é possível que Arnold tenha praticado tais atos, durante anos, sem que ninguém se queixasse ou que evidências de brutalidade viessem à tona, enquanto agora, todos --aparentemente com uma exceção-- se declaram vítimas do monstro?
Aí as coisas, que pareciam claras, começam a se complicar. O que parecia um filme sobre o patético pedófilo se torna uma espécie de "Cidadão Kane": nenhuma narrativa dá conta de um homem. Seja a policial, ou a das supostas vítimas, ou da ex-mulher (ressentida), ou de David, o filho mais velho, ressentido com a mãe.
A soma das experiências possíveis com esse estranho homem de olhos fundos, sorriso furtivo e pianista sensível vai longe. E isso em boa parte porque estamos às voltas com a sexualidade de alguém --isto é, com a nossa própria--, terreno delicado, em que o imaginário é radicalmente convocado. Assim, existe o homem, o Friedman, e sua perversão. Mas não deixa de haver o que em torno disso imagina (ou oculta) a mente do policial, da juíza, dos filhos, do irmão, da repórter, das vítimas supostas, e por aí vamos.
Ah, ia esquecendo, da "comunidade". Isto é, de um desses bairros aprazíveis, tão tipicamente americanos. Ela é que, unânime, se levanta para apontar a infâmia que teria vitimado seus filhos. Mas como essas crianças nunca se queixaram antes? Teriam elas passado por lavagem cerebral e, de certa forma, lhes teria sido implantada uma memória sugerida pela polícia ou pela "comunidade"? Quem levanta essas questões é uma repórter da CNN, que suspeita de tantas evidências.
Assim a verdade, que parecia tão evidente, escapa entre nossos dedos e olhos --ainda que documentada exaustivamente-- pela fresta da sexualidade. E este parece ser o objeto de Andrew Jarecki em seu magnífico filme: documentar a capacidade da verdade de se ocultar, de ser maior do que nossa vontade de achar e apontar o monstro que redime nossos males e nos apazigua as consciências.
Avaliação:
Na Captura dos Friedmans
Produção: EUA, 2003
Direção: Andrew Jarecki
Quando: a partir de hoje, no Frei Caneca Unibanco Arteplex e circuito
"Na Captura dos Friedmans" expõe ocultação da verdade
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Crítico da Folha de S.Paulo
"Na Captura dos Friedmans" não é o título que mais bem expressa o que este filme busca. Parece que houve uma captura policial e que o cinema estava lá, como testemunha. Isso até ocorre, em parte. Ainda assim, um nome como "Capturando os Friedmans" teria a virtude da exatidão.
A história começa com Arnold Friedman, professor, pianista e pedófilo. À descoberta de algumas revistas pornográficas em sua casa, sucede a acusação policial: Arnold teria tido relações com seus alunos. Segue-se o processo e a prisão.
O caso envolve também um de seus filhos, Jesse, que forçaria as crianças a terem relações com Arnold. Para a polícia tudo é claro. Algo, no entanto, escapa ao bom entendimento: como é possível que Arnold tenha praticado tais atos, durante anos, sem que ninguém se queixasse ou que evidências de brutalidade viessem à tona, enquanto agora, todos --aparentemente com uma exceção-- se declaram vítimas do monstro?
Aí as coisas, que pareciam claras, começam a se complicar. O que parecia um filme sobre o patético pedófilo se torna uma espécie de "Cidadão Kane": nenhuma narrativa dá conta de um homem. Seja a policial, ou a das supostas vítimas, ou da ex-mulher (ressentida), ou de David, o filho mais velho, ressentido com a mãe.
A soma das experiências possíveis com esse estranho homem de olhos fundos, sorriso furtivo e pianista sensível vai longe. E isso em boa parte porque estamos às voltas com a sexualidade de alguém --isto é, com a nossa própria--, terreno delicado, em que o imaginário é radicalmente convocado. Assim, existe o homem, o Friedman, e sua perversão. Mas não deixa de haver o que em torno disso imagina (ou oculta) a mente do policial, da juíza, dos filhos, do irmão, da repórter, das vítimas supostas, e por aí vamos.
Ah, ia esquecendo, da "comunidade". Isto é, de um desses bairros aprazíveis, tão tipicamente americanos. Ela é que, unânime, se levanta para apontar a infâmia que teria vitimado seus filhos. Mas como essas crianças nunca se queixaram antes? Teriam elas passado por lavagem cerebral e, de certa forma, lhes teria sido implantada uma memória sugerida pela polícia ou pela "comunidade"? Quem levanta essas questões é uma repórter da CNN, que suspeita de tantas evidências.
Assim a verdade, que parecia tão evidente, escapa entre nossos dedos e olhos --ainda que documentada exaustivamente-- pela fresta da sexualidade. E este parece ser o objeto de Andrew Jarecki em seu magnífico filme: documentar a capacidade da verdade de se ocultar, de ser maior do que nossa vontade de achar e apontar o monstro que redime nossos males e nos apazigua as consciências.
Avaliação:
Na Captura dos Friedmans
Produção: EUA, 2003
Direção: Andrew Jarecki
Quando: a partir de hoje, no Frei Caneca Unibanco Arteplex e circuito
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