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13/03/2004
-
07h18
PAULO SANTOS LIMA
free-lance para a Folha
Não há dúvida que a câmera na rua foi a grande intersecção entre as diversas propostas estéticas da nouvelle vague num primeiro momento, quando os cineastas saídos da "Cahiers du Cinéma" usaram o espaço como ponto de partida para a experiência fílmica. Este espaço, antes cenário e agora locação, era uma Paris mais "real" (na concepção baziniana, escorada no neo-realismo) e por isso inédita. "O Signo de Leão" (59), primeiro longa de Eric Rohmer, ainda que mais "comedido" na forma que Godard ou Resnais, transgrediu politicamente ao atentar contra a mítica belle époque da Paris cidade-luz.
Se nas obras posteriores do diretor o deslocamento espacial seria o rotor para os personagens pensarem (e falarem) sobre eles próprios, como em frente ao espelho, neste filme o trânsito mais ilustra uma relação entre personagem e espaço, como olhando por uma lupa.
A "missão de reconhecimento" é empreendida por Pierre (Jess Hahn), e na marra, já que o músico gastou os tubos ao receber a notícia sobre uma herança destinada a outro parente. Tal qual um artista aristocrata, Pierre nunca trabalhou e sempre viveu do mecenato de amigos. Só que estes estão em férias e, para piorar o drama, as pessoas e a Paris de agora não se interessam por valores abstratos e pretéritos como nobreza e arte.
Sem moradia, Pierre cria uma outra relação com a cidade, em caminhadas quilométricas e acompanhadas por uma câmera que registra as coisas quase como um filme neo-realista, ou seja, tentando captar o "real" e as suas várias camadas.
Já na mendicância, a horas tantas, e dormindo na rua, Pierre (pedra, em francês) já parece fundido no patrimônio arquitetônico da cidade. E vocifera contra os casais de turistas apaixonados, a burguesia, o calor do verão, as obras que perderam o sentido para ele, os passeios às margens do Sena. Os novos tempos, mais burgueses do que nobres, o desagradam.
A ambigüidade criada pelos vários registros, típica na obra de Rohmer para chegar mais próximo do real, cria certo mal-estar na relação entre o espectador e a Paris da tela. O que decretou o fracasso comercial do filme. O mais notável, contudo, é que mesmo esteticamente menos "radical" na forma que seus colegas, Rohmer foi o único dos cineastas modernos deste período natalino da nouvelle vague que não sucumbiu a uma certa visão fetichista de Paris. Mesmo Jean-Luc Godard levaria anos para montar um viés assustador a partir de Paris, com o seu filme "Alphaville", no ano de 1965.
Avaliação:
O Signo de Leão - Le Signe du Lion
Produção: França, 1959
Direção: Eric Rohmer
Com: Jess Hahn, Michèle Girardon
Onde: em cartaz no Top Cine 2
Eric Rohmer dribla o fetiche do cartão-postal
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free-lance para a Folha
Não há dúvida que a câmera na rua foi a grande intersecção entre as diversas propostas estéticas da nouvelle vague num primeiro momento, quando os cineastas saídos da "Cahiers du Cinéma" usaram o espaço como ponto de partida para a experiência fílmica. Este espaço, antes cenário e agora locação, era uma Paris mais "real" (na concepção baziniana, escorada no neo-realismo) e por isso inédita. "O Signo de Leão" (59), primeiro longa de Eric Rohmer, ainda que mais "comedido" na forma que Godard ou Resnais, transgrediu politicamente ao atentar contra a mítica belle époque da Paris cidade-luz.
Se nas obras posteriores do diretor o deslocamento espacial seria o rotor para os personagens pensarem (e falarem) sobre eles próprios, como em frente ao espelho, neste filme o trânsito mais ilustra uma relação entre personagem e espaço, como olhando por uma lupa.
A "missão de reconhecimento" é empreendida por Pierre (Jess Hahn), e na marra, já que o músico gastou os tubos ao receber a notícia sobre uma herança destinada a outro parente. Tal qual um artista aristocrata, Pierre nunca trabalhou e sempre viveu do mecenato de amigos. Só que estes estão em férias e, para piorar o drama, as pessoas e a Paris de agora não se interessam por valores abstratos e pretéritos como nobreza e arte.
Sem moradia, Pierre cria uma outra relação com a cidade, em caminhadas quilométricas e acompanhadas por uma câmera que registra as coisas quase como um filme neo-realista, ou seja, tentando captar o "real" e as suas várias camadas.
Já na mendicância, a horas tantas, e dormindo na rua, Pierre (pedra, em francês) já parece fundido no patrimônio arquitetônico da cidade. E vocifera contra os casais de turistas apaixonados, a burguesia, o calor do verão, as obras que perderam o sentido para ele, os passeios às margens do Sena. Os novos tempos, mais burgueses do que nobres, o desagradam.
A ambigüidade criada pelos vários registros, típica na obra de Rohmer para chegar mais próximo do real, cria certo mal-estar na relação entre o espectador e a Paris da tela. O que decretou o fracasso comercial do filme. O mais notável, contudo, é que mesmo esteticamente menos "radical" na forma que seus colegas, Rohmer foi o único dos cineastas modernos deste período natalino da nouvelle vague que não sucumbiu a uma certa visão fetichista de Paris. Mesmo Jean-Luc Godard levaria anos para montar um viés assustador a partir de Paris, com o seu filme "Alphaville", no ano de 1965.
Avaliação:
O Signo de Leão - Le Signe du Lion
Produção: França, 1959
Direção: Eric Rohmer
Com: Jess Hahn, Michèle Girardon
Onde: em cartaz no Top Cine 2
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