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18/03/2004 - 05h42

Polanski imprime seu temperamento aos gêneros

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TIAGO MATA MACHADO
crítico da Folha

Na coxia, paramentado com uma sobrecasaca do século 18 e uma peruca, Roman Polanski escuta os sussurros da platéia francesa. Está prestes a realizar um de seus sonhos, o de encarnar o Mozart da peça de Peter Shaffer ("Amadeus"), mas sua cabeça dispara em direção contrária, de volta aos tempos da guerra e do gueto da Cracóvia, aos muros que fizeram sua infância clandestina.

Era assim que Polanski, cuja obra é alvo da retrospectiva que se inicia (com a presença do autor) no Cinesesc, abria sua autobiografia, "Roman de Polanski", escrita precocemente no início dos anos 80, quando, em crise de confiança e dando por favas contadas sua carreira de cineasta, o polonês cinqüentão voltou-se para sua paixão de juventude, o teatro.

"Desde quando posso me lembrar, a linha entre a fantasia e a realidade tem estado irremediavelmente embaçada." Era a primeira frase de um livro concebido em parte para responder aos estigmas do personagem de mídia em que se transformara após sucessivos escândalos --o assassinato, depois das filmagens de "O Bebê de Rosemary", de sua mulher, Sharon Tate, pela seita satânica de Charles Manson, a expulsão dos Estados Unidos sob a acusação de corrupção de menor.

A frase serve para nos lembrar de que, nos filmes de Polanski, especialmente os escritos a quatro mãos com Gérard Brach (o outro pólo da longeva dupla "bralanski"), a linha que separa o real do imaginário é traçada pelo périplo de personagens que vão sempre de um cenário secundário, que representa a exterioridade e a impessoalidade da vida, a um cenário central (umbilical e personalizado) onde sucumbem à fantasia e ao medo.

Relações

Essa relação real/imaginário obedece, portanto, a uma concepção espacial, a uma relação alto/ baixo que já se encontra esboçada em "Quando Caem os Anjos" (1959), seu curta de formatura na célebre Escola de Lodz.

O cenário secundário (o salão de beleza de "Repulsa ao Sexo", a estalagem de "A Dança dos Vampiros", a planície de "Armadilha do Destino") está sempre abaixo do central (um apartamento, um castelo). Entre um (mundo de consciência) e outro (de inconsciência), há uma subida, a rampa de "Armadilha", o caminho de neve de "A Dança", o elevador ou as escadas nos filmes da "trilogia de apartamento" --"Repulsa", "O Bebê de Rosemary" e "O Inquilino".

Subida que não faz mais do que prenunciar a vertigem da queda, tal é a história do (duplo) suicídio de "O Inquilino", em que Polanski (também um grande ator) testa consigo mesmo os exercícios de neurose aplicada típicos de seus "filmes de apartamento".

A decadência dos casais ("Armadilha", "Lua de Fel"), os resquícios de puritanismo paranóide das mocinhas modernas: limitados a quatro paredes, os personagens polanskianos tendem a sucumbir à vertigem das mais diversas (e, no fundo, as mais comuns) patologias psicossexuais.

Escola de Lodz

Polanski encena (no que constitui o melhor de seu estilo) uma evolução formal para esse processo de degradação (psíquica) dos personagens ao emprestar aos seus objetos de cena dimensões cada vez mais simbólicas. Talento que mais deve à Escola de Lodz.

Em Lodz, Polanski aprendeu a priorizar os elementos visuais do cinema, o que lhe possibilitou se afirmar mais tarde como um autor de cinema no sentido clássico (hollywoodiano) do termo, isto é, um realizador capaz de imprimir o seu temperamento aos mais diversos materiais e gêneros, formalmente, pela "mise-en-scène". A subversão que faz do roteiro de Robert Towne em "Chinatown", sua obra-prima ausente na mostra, é a maior prova.
 

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