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27/03/2004 - 04h16

Documentários cutucam ditadura argentina

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SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

Houve os que ficaram órfãos e os que viveram sob famílias postiças. Houve também os que disso escaparam, mas que não deixam de compartilhar com aqueles as dúvidas sobre as origens da geração de que fazem parte. São os filhos da ditadura argentina, hoje com idades por volta dos 30 anos. Alguns pegaram em câmeras e saíram para reconstruir (ou só provocar) o passado.

Dois representantes dessa produção documental exibem-se no festival É Tudo Verdade. "Trelew", de Mariana Arruti, 34, sobre o fuzilamento de 16 guerrilheiros numa base naval na Patagônia em 1972, e "Los Rubios", de Albertina Carri, 30, documentário ficcional que narra a busca da diretora pelos pais, mortos em 1977.

Assim como os filmes de ficção do novo cinema argentino, a produção de documentários no país vizinho também conheceu um salto após a crise político-econômica iniciada em 2001.

Esse interesse de jovens documentaristas em remexer a história e assim submeter a sociedade a uma espécie de auto-análise já foi comparado ao impulso pela produção documental que o país viu durante os anos 60, em que clássicos como "La Hora de los Hornos" (1968), de Fernando Solanas e Octavio Getino, circularam de forma clandestina.

"Trelew"

Mariana Arruti narra a tentativa de fuga de prisioneiros políticos da cadeia de Rawson, na Patagônia, em 1972, nos meses finais de um período em que o país foi governado por generais, antes das eleições de 1973.

A diretora quis jogar luz naqueles conturbados tempos que antecederam o golpe militar de 1976. A época foi marcada pelo início das perseguições a militantes de esquerda e pela tortura, que se intensificariam depois, durante o regime que se estendeu até 1983.

Os fugitivos de Rawson falham. Apenas alguns logram alcançar o aeroporto de Trelew a tempo de tomar o avião que os levaria ao Chile de Allende. Um segundo grupo, que alcançaria a base aérea momentos depois da decolagem do avião, é obrigado a se entregar e é levado a uma base da Marinha. Dos 19 presos rendidos, 16 são em seguida executados.

Convencional, a força do filme reside mais na história que conta do que no formato adotado. Mistura depoimentos de sobreviventes --fugitivos e guardas da prisão-- com imagens de época. Entre estas, as impactantes entrevistas dadas à TV pelos próprios guerrilheiros que seriam mortos pouco antes de se entregarem.

"Los Rubios"

Albertina Carri contratou uma atriz para representá-la. Por trás da câmera, ela assiste a si mesma fazendo entrevistas com pessoas que conheceram seus pais.

Ela parece não se emocionar com as informações que vêm à tona, como se soubesse de antemão que seu documentário não vai conseguir "documentar" nada. Os relatos e informações que colhe são confusos, contraditórios, nebulosos. Não lhe servem nem mesmo para saber como seus pais se pareciam. Uma vizinha, por exemplo, afirma categoricamente que toda a família era loira --o que não é verdade (ou será?).

Albertina opta, assim, por conversar com essas lembranças e imagens fora de foco. É um diálogo irônico e até bem-humorado --há um momento em que ela coloca perucas loiras em toda a sua equipe, outros em que animações com bonequinhos Playmobil se mesclam aos depoimentos.

Nesse seu apego ao vazio, ao nada, Albertina aprofunda ainda mais o drama de sua história pessoal. Surpreendentemente, esse caminho a leva a fazer um filme extremamente esperançoso.

Trelew:
Avaliação:
Los Rubios:
Avaliação:
 

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