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01/04/2004 - 04h36

Documentaristas discutem de quem é a obra, afinal

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da Folha de S.Paulo

Até que ponto o documentário sobre uma pessoa pertence a ela? A interrogação sobre as margens da autoria no documentário e o questionamento sobre a pertinência de um filme baseado em fatos e pessoas reais ser considerado uma expressão da verdade ganharam força com a disputa judicial em torno do documentário "Ser e Ter", de Nicolas Philibert.

"Quando se documenta uma pescaria, são os pescadores que pescam, mas o filme é do diretor. Não há nenhuma dúvida de que 'Ser e Ter' é de Nicolas Philibert", diz o crítico e historiador do cinema Jean-Claude Bernardet, ele mesmo tema de um documentário em exibição no festival É Tudo Verdade ("Crítica em Movimento", de Kiko Mollica).

A opinião sobre a autoria de "Ser e Ter" não faz de Bernardet um defensor do título. "Sou militantemente contra esse filme", diz. A discordância do crítico é com o que considera excessos do diretor na manipulação de seu material filmado "para construir uma França idílica, profunda, sem árabes, sem negros, sem nenhum de seus problemas atuais, onde tudo se resolve em família".

Para Bernardet, o filme de Philibert "é hiperdiscutível". "É a Amélie Poulain do documentário", diz, referindo-se à heroína realizadora de sonhos de Jean-Pierre Jeunet ("O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", 2001).

Na França, "Ser e Ter" foi quase unanimemente elogiado pela crítica e o professor Georges Lopez, apontado como modelo de conduta moral. A imagem positiva que o filme transmite de Lopez contribuiu para causar espanto diante da decisão do professor de brigar na Justiça por dinheiro.

Eduardo Coutinho ("Edifício Master", 2002) diz que "é natural que, diante de algo espantoso como o tremendo sucesso de 'Ser e Ter', coisas assim aconteçam". Coutinho supõe que Lopez, que parece ser "uma pessoa doce e maravilhosa no filme, tenha ouvido de pessoas que foi explorado, que poderia ganhar muito dinheiro" e se deixou influenciar.

Uma eventual vitória de Lopez na disputa judicial "não tornará o cinema documentário refém de coisa nenhuma", na opinião de Coutinho. O cineasta acha que, em casos de filmes com um personagem muito destacado, como "Ser e Ter", "é perfeitamente possível fazer um acordo de porcentagem da bilheteria".

Mas Coutinho diz que a regra geral dos documentários é que as pessoas concordem em ser filmadas sem ter expectativa de ganhar algo com o filme, porque sabem que "um documentário, em geral, não muda a vida de ninguém, nem para o bem nem para o mal".

Por que, então, alguém divide sua intimidade com um documentarista? "Porque a pessoa encontra no cineasta uma escuta atenta e afetiva, o que não acontece nas condições cotidianas de existência, em que ninguém escuta ninguém", diz Coutinho.

O cineasta Kiko Goifman diz que "as pessoas acreditam muito naquilo que falam e dar um depoimento num documentário é uma oportunidade de ampliar seu público, de convencer os outros, ainda que tenham que relatar passagens dolorosas de suas vidas".

Quando se refere a passagens dolorosas, Goifman cita seu mais recente filme, "Morte Densa", co-dirigido com Jurandir Müller, sobre assassinos confessos. No documentário, os entrevistados, todos autores de um único homicídio, contam por que e como mataram. "Morte Densa" tem única exibição hoje, às 23h, no Cinesesc.

Autor de "O Prisioneiro da Grade de Ferro", que documenta o cotidiano de réus encarcerados no presídio do Carandiru (desativado em 2002), Paulo Sacramento diz: "Que vantagem os presos têm em aparecer num filme desses é algo que também me pergunto".

Uma das hipóteses que o diretor formula é que "mostrar seu rosto, mesmo estando preso, possa servir como uma superação daquela realidade, uma afirmação de estar vivo, de ter sua importância".

O condutor de lotação Joel Aparecido da Silva, hoje em liberdade, é um dos retratados em "Prisioneiro...". Silva diz que fazer o filme "foi mais difícil para eles [produção] do que para nós [presos]", já que cineasta e equipe tiveram de conquistar a confiança dos presos. "Para mim, foi a mesma coisa que escrever um livro, mas não tenho o dom das palavras. Então está tudo dito no filme."

Além de "O Prisioneiro...", estão previstas quatro estréias de documentários brasileiros neste ano. O volume da produção anual de documentários é bem maior. O festival É Tudo Verdade recebe em torno de 250 inscrições a cada edição. Apenas uma pequena parte dos documentários é lançada no cinema. O circuito de festivais e a exibição na TV são os canais de exibição mais comuns para o gênero, cujo público nas salas de cinema costuma ser inexpressivo.

O maior sucesso recente no gênero é "Surf Adventures" (Arthur Fontes, 2002), com 218 mil espectadores. O recorde mais recente de público de um filme de ficção nacional é de "Carandiru" (Hector Babenco, 2003) --4,6 milhões.
 

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