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10/04/2004 - 05h12

Um é pouco e dois é bom no polêmico romance inglês "Política"

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CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Esqueça toda aquela lenga-lenga de soma dos quadrados de catetos igual ao quadrado da hipotenusa. Os triângulos não serão mais os mesmos com a chegada às livrarias de "Política".

Primeiro romance de um jovem escritor britânico, o livro já causou furor Europa adentro com sua nova equação para os três lados de um triângulo amoroso.

O "ménage à trois" de um rapaz com duas garotas, narrado com requintes ginecológicos pelo londrino Adam Thirlwell, agora está entre nós, como segundo título da coleção de romances "safados" da Companhia das Letras, inaugurada com livro de Rubem Fonseca.

"Política" começou a fazer barulho já no interior da barriga grávida de seu autor. Ainda inédito, Thirlwell foi escolhido um dos melhores jovens autores do Reino Unido por um júri da badalada revista "Granta" que lera seus manuscritos. "Foi tudo bizarramente rápido. Terminei o livro em outubro de 2002. Olhava aquela pilha de papel e pensava que ninguém ia lê-las. Em seis semanas meu livro estava negociado em 20 países e eu "virara" um dos melhores autores da Inglaterra", diz Thirlwell.

Em entrevista à Folha, o escritor, de experientes 25 anos, comenta o seu romance, que mostra por que um é pouco, dois é bom e três é demais. Leia trechos.

Folha de S.Paulo - "Política" tem muitas cenas polêmicas de sexo. Você enfrentou alguma reação, algum abaixo-assinado de uma liga de senhoras ou algo assim?

Adam Thirlwell - Em alguns países, especialmente na Itália, tive algumas respostas mais conservadoras. Talvez seja o catolicismo. Acho que na Inglaterra as pessoas estão acostumadas. Nos últimos 20 anos saíram aqui muitos livros desse tipo. Ainda assim sempre existe algo de neurótico nas pessoas quando o assunto é sexo.

Folha de S.Paulo - Muitas vezes suas descrições de sexo são "mecânicas". Isso foi pensado, para mostrar que o ato sexual pode ser chato como um manual de instruções ("ele pôs o dedo lá", "ela pegou ali")?

Thirlwell - Não achei que poderia parecer chato (risos). Estava tentando com isso ser sim um pouco subversivo. Existe uma pornografia anatômica, irreal, na qual quando menos se espera estão 14 pessoas fazendo sexo. No outro extremo existe uma forma totalmente antipornô, lírica, de tratar do assunto. Queria ficar no meio-termo, descrever sexo como se descrevesse qualquer outra coisa. Quando narro coisas do tipo "ele pôs o dedo lá", busco retratar os personagens em momentos de extrema consciência de seus atos. O importante para mim era não mistificar o sexo. E, sim, também mostrar que pode até ser chato.

Folha de S.Paulo - Como foi seu processo de pesquisa para o livro? Você teve de se sacrificar com "ménages à trois" e coisas do tipo em nome da ficção?

Thirlwell - (Risos) Não, nunca fiz isso. É só imaginação. Deus meu! O que não devem pensar de minha vida sexual...

Folha de S.Paulo - O livro se chama "Política", mas trata de amor e sexo. Você usa o termo "política" no sentido do "teatro do poder", assim como se pode falar em amor ou sexo como um teatro?

Thirlwell - Acho que o título pode ser visto de duas maneiras. O primeiro brinca com a idéia de que, apesar de não parecer inicialmente ser um livro sobre política, o livro tem também um bocado de política dentro dele. E a forma do romance, o comportamento dos personagens, é espelhada em aspectos políticos. Por outro lado, é uma brincadeira. Não há no livro muito do que as pessoas imaginam como política.

Folha de S.Paulo - Você menciona o Marquês de Sade como alguém que fazia excentricidades políticas. Você também busca essa excentricidade?

Thirlwell - Não. Acho que os romances de Sade são prejudicados pelo excesso de teorias de seu autor, pelo fato de que nada que acontece neles é fruto do desejo dos personagens, mas sim do desejo de Sade de provar, com cada ação, algum de seus pontos políticos. Não queria que meu livro fosse guiado por digressões políticas. Para mim a parte mais importante é o enredo geral, o lado mais comum do romance. As digressões uso só para mostrar como é problemático tentar fazer digressões.

Folha de S.Paulo - Mas como você lida com essa leitura política de seu livro?

Thirlwell - Ela é mais freqüente do que eu imaginaria. Os críticos em geral querem ver no livro uma obra totalmente política, uma alegoria de teorias ou da situação política. Eu buscava algo mais descompromissado, ainda que às vezes as analogias funcionem.

Folha de S.Paulo - O narrador afirma ao longo do livro que o romance não é sobre sexo, que é sobre generosidade e afins. Aqui no Brasil "Política" está saindo em uma coleção de livros "safados", que terá Henry Miller, Philip Roth, entre outros. O que você acha dessa companhia?

Thirlwell - Existem diferenças de como eu penso no meu livro e como as editoras querem vendê-lo (risos). Bem, é verdade que ao negar o tempo todo que o livro é sobre sexo estou brincando também. O romance é, obviamente, recheado de sexo. São comentários meio ingênuos, esses do narrador. É claro que o livro é sobre sexo. Mas é também sobre bondade, sobre se cada um deve ser altruísta ou pensar só em si.

Folha de S.Paulo - Você descreve inúmeras cenas de sexo, de personagens com diferentes parceiros, e não menciona nunca camisinhas e Aids. Você não o fez intencionalmente?

Thirlwell - Bem, eu cito as pílulas anticoncepcionais. É a única proteção dos personagens. Acho que isso é muito realista para relacionamentos. Talvez nas primeiras relações deles seria mais normal que usassem camisinha. Mas é um ponto interessante. Ninguém havia me perguntado sobre isso. É, talvez eu devesse...

Folha de S.Paulo - Qual sua opinião sobre o grupo de autores que o acompanha na lista da "Granta"?

Thirlwell - Não sei, muitos dos escritores ali só publicaram um ou dois livros. É difícil saber como é um escritor com tão pouco. Além disso, tento não ler autores jovens. Prefiro os mortos, com os quais não estou competindo.

Folha de S.Paulo - Que mortos?

Thirlwell - Flaubert, Stendhal, Machado de Assis.

Folha de S.Paulo - Machado?

Thirlwell - É, adoro "Dom Casmurro", um dos melhores livros que li. Tento fazer algo semelhante a isso. Ele é muito elegante.

POLÍTICA
Autor: Adam Thirlwell
Tradução: José Antonio Arantes
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50
 

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