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10/04/2004
-
06h36
MARCELO PEN
Crício da Folha de S.Paulo
A boa filha à casa torna. A José Olympio readquiriu o copirraite de uma de suas escritoras mais ilustres, a cearense Rachel de Queiroz (1910-2003), já lançando o primeiro e o último romances da autora: "O Quinze" (1930) e "Memorial de Maria Moura" (1992).
O alfa e o ômega, por assim dizer, da carreira de Rachel, apontam direções artísticas bastante distintas. Quando publicou "O Quinze", a escritora, que mal tinha completado 20 anos, teve de assumir os custos da edição.
Essa obra enxuta, porém, ajudou a firmar a corrente de romances regionalistas, de linhagem nordestina. Centra-se na grande seca que abalou o sertão, em 1915 (daí o título). Temos duas histórias paralelas: a trajetória da família de Chico Bento, forçada a emigrar; e o hesitante flerte entre dois jovens herdeiros, a professora Conceição e seu primo Vicente.
O caudaloso "Memorial" ancora igualmente em tramas paralelas, que se entrelaçam. As principais: a narrativa da transformação de Maria Moura, de "sinhazinha" a chefe de quadrilha no século 19; e a história do padre José Maria, que se vê obrigado a foragir-se depois de matar marido de mulher que ele engravidou.
Já Moura não mata. Convence os outros a matar por ela. Se a pequena lady Macbeth do agreste não é flor que se cheire, Conceição também manifesta preconceito. Quando desconfia da traição de Vicente com a filha de um capataz, a donzela, tomada pelo despeito, despeja tolices racistas.
Nos dois casos percebe-se a perversa marca patriarcal de que ambas procuram escapar. As moças também vivem num estado de suspensão da ordem capitalista: Maria, pela opção ao banditismo; e Conceição, por circunstâncias impostas pela seca. Na seca, volta o escambo. Além disso, quando argumentam com Vicente, que tenta salvar o gado a despeito de toda perspectiva de lucro, o rapaz retruca que sua atividade agora não passa de mero "capricho".
Mais do que capricho: uma questão de honra. É o oposto do que faz a patroa de Chico Bento, que manda soltar o gado e dispensar os empregados. Embora não haja verdadeiros vilões, além da seca, em "O Quinze", a atitude da fazendeira revela-se aziaga.
A esterilidade da natureza reflete o comportamento bicudo do casal de protagonistas, para quem um pequeno mal-entendido pode significar um grande obstáculo. A falta de comunicação espelha, na esfera do relacionamento, a falta d'água, que mata vegetação, animália e gente.
Sem maiores pretensões no plano da ação (linear) e no aprofundamento psicológico (mínimo), "O Quinze" tem o mérito de aderir à prosa vigorosa do romance brasileiro dos anos de 1930 e 1940.
O Quinze
Avaliação:
Autora: Rachel de Queiroz
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 23 (160 págs.)
Memorial de Maria Moura
Avaliação:
Autora: Rachel de Queiroz
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 58 (496 págs.)
Reedições apontam direções distintas de Rachel de Queiroz
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Crício da Folha de S.Paulo
A boa filha à casa torna. A José Olympio readquiriu o copirraite de uma de suas escritoras mais ilustres, a cearense Rachel de Queiroz (1910-2003), já lançando o primeiro e o último romances da autora: "O Quinze" (1930) e "Memorial de Maria Moura" (1992).
O alfa e o ômega, por assim dizer, da carreira de Rachel, apontam direções artísticas bastante distintas. Quando publicou "O Quinze", a escritora, que mal tinha completado 20 anos, teve de assumir os custos da edição.
Essa obra enxuta, porém, ajudou a firmar a corrente de romances regionalistas, de linhagem nordestina. Centra-se na grande seca que abalou o sertão, em 1915 (daí o título). Temos duas histórias paralelas: a trajetória da família de Chico Bento, forçada a emigrar; e o hesitante flerte entre dois jovens herdeiros, a professora Conceição e seu primo Vicente.
O caudaloso "Memorial" ancora igualmente em tramas paralelas, que se entrelaçam. As principais: a narrativa da transformação de Maria Moura, de "sinhazinha" a chefe de quadrilha no século 19; e a história do padre José Maria, que se vê obrigado a foragir-se depois de matar marido de mulher que ele engravidou.
Já Moura não mata. Convence os outros a matar por ela. Se a pequena lady Macbeth do agreste não é flor que se cheire, Conceição também manifesta preconceito. Quando desconfia da traição de Vicente com a filha de um capataz, a donzela, tomada pelo despeito, despeja tolices racistas.
Nos dois casos percebe-se a perversa marca patriarcal de que ambas procuram escapar. As moças também vivem num estado de suspensão da ordem capitalista: Maria, pela opção ao banditismo; e Conceição, por circunstâncias impostas pela seca. Na seca, volta o escambo. Além disso, quando argumentam com Vicente, que tenta salvar o gado a despeito de toda perspectiva de lucro, o rapaz retruca que sua atividade agora não passa de mero "capricho".
Mais do que capricho: uma questão de honra. É o oposto do que faz a patroa de Chico Bento, que manda soltar o gado e dispensar os empregados. Embora não haja verdadeiros vilões, além da seca, em "O Quinze", a atitude da fazendeira revela-se aziaga.
A esterilidade da natureza reflete o comportamento bicudo do casal de protagonistas, para quem um pequeno mal-entendido pode significar um grande obstáculo. A falta de comunicação espelha, na esfera do relacionamento, a falta d'água, que mata vegetação, animália e gente.
Sem maiores pretensões no plano da ação (linear) e no aprofundamento psicológico (mínimo), "O Quinze" tem o mérito de aderir à prosa vigorosa do romance brasileiro dos anos de 1930 e 1940.
O Quinze
Avaliação:
Autora: Rachel de Queiroz
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 23 (160 págs.)
Memorial de Maria Moura
Avaliação:
Autora: Rachel de Queiroz
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 58 (496 págs.)
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