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18/04/2004 - 08h53

Diretor Carlos Manga faz as pazes com a crítica

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LAURA MATTOS
SILVANA ARANTES

da Folha de S.Paulo

Comecei maltratado pelos críticos, passei a cult e terminei aplaudido por todos, da plebe à intelectualidade. Assim o diretor de cinema e TV Carlos Manga, 76, resume seus 50 anos de carreira.

Das chanchadas carnavalescas da Atlântida, nos anos 50, à minissérie "Um Só Coração" (2004), na Globo, sua obra será tema de uma retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, a partir desta terça.

Entre outros pioneirismos, Manga foi o responsável pela primeira edição de videoteipe da TV brasileira, em 1961. Entusiasmado com o feito, beijou a boca de um homem "pela primeira e última vez". Era o técnico com quem dividia o estúdio. Além dessa revelação, na entrevista a seguir Manga fala mal do cinema novo e do governo Lula, afirma que a escalação de Erik Marmo para "Um Só Coração" foi um erro e diz querer fazer um filme para se aposentar.

Folha - Que avaliação faz da produção industrial de filmes dos estúdios Atlântida (Rio), nos anos 50?
Carlos Manga -
É indiscutível a importância desse início. Sofri grande perseguição dos críticos, que não souberam entender a beleza daquela ingenuidade, a verdade do diálogo daquela indústria de cinema com o povo brasileiro.

Folha - As chanchadas eram tidas como pastiche de Hollywood. Os críticos não souberam ver ali uma identidade nacional?
Manga -
Eles não perceberam que o modo de contar não era hollywoodiano, mas brasileiro. A Vera Cruz [companhia cinematográfica paulista] apareceu como a redentora do cinema nacional, mas não conseguiu se identificar com o público, sua alegria. Eram filmes europeus, não traduziam nossa identidade. Depois veio uma narrativa de esquerda, distante do público [refere-se ao cinema novo]. A Atlântida criticava uma sociedade nefasta com humor. O povo ria e entendia. O público entendeu, a crítica não. Hoje, a crítica está mais próxima.

Folha - O sr. acha?
Manga -
Sim. Acabamos de fazer uma minissérie em que mostramos a cultura da formação brasileira e, desta vez, a plebe, a crítica, os intelectuais, todos apoiaram. A crítica entendeu que o folhetim passou a importância desses paulistas que tornaram o país conhecido no mundo todo. Aos 76 anos, estou muito romântico. Quando eu teria a chance de ser entrevistado por um dos mais importantes jornais do país com as minhas chanchadas? Agora consegui, usando o meu método de humor.

Folha - Só hoje o sr. se sente reconhecido?
Manga -
Reconhecido sou há algum tempo. No início, muito maltratado. Depois fui reconhecido e virei até cult. Agora é mais do que isso. Ouvir o taxista na rua falar de Oswald de Andrade [1890-1954] é empolgante. Se pudéssemos fazer mais isso, iríamos conhecer a verdade dos nossos ídolos ou a inverdade dos falsos ídolos. Não quero me estender, porque fico de esquerda demais.

Folha - O sr. se considera uma pessoa de esquerda?
Manga -
Pintei meu bigode para aplaudir [o líder comunista] Luiz Carlos Prestes [1898-1990], quando ele saiu da cadeia. Mas um dia vi Prestes no palanque defendendo um ditador fascista para se eleger senador [em 1945, Prestes aderiu à candidatura de Getúlio Vargas, seu antigo opositor]. Não entendi, porque ele havia matado sua mulher, grávida, com pontapés na barriga [o governo Vargas entregou Olga Benário a Hitler, e ela morreu num campo de concentração, em 1942]. Fui procurar meu mestre, Mário Lago [1911-2002], comunista convicto. Ele me disse: "Manguinha, o que importa é o partido. Os sentimentos baratos temos que deixar de lado". Nesse dia, dei um beijo na mão dele e desisti de ser de esquerda. Hoje estou vendo que era tudo bobagem, o Brasil está entregue ao poder que era de esquerda, e não conheço ninguém mais de direita do que este governo atual.

Folha - Com o fim da Atlântida, ir para a TV foi seu caminho natural? Ou os lugares que passaram a existir no cinema não o interessavam?
Manga -
Cansei de levar tanta paulada de crítico e resolvi trocar o salário de um mês pelo de um sábado. E me vendi, fui para a TV.

Folha - Valeu a pena?
Manga -
(silêncio). Na resposta, deixem uma linha em branco. Não sei. Por um lado, economicamente, ganhei. Por outro, perdi um pouco do meu ídolo, meu amor, que é o cinema.

Folha - Acha que a TV se pauta muito pelos rostos bonitos?
Manga -
Há atores que não são verdadeiros, e outros maravilhosos. Em "Um Só Coração", vi jovens que me entusiasmaram. Tive momentos emocionantes com a minissérie. Óbvio, tive outros decepcionantes, porque nem todos têm o mesmo dom. Apaixonei-me demais por esse trabalho. É o melhor do qual participei na TV.

Folha - Foi conseqüência dessa paixão ter defendido Erik Marmo [criticado em jornais por sua atuação em "Um Só Coração"]? Ou o sr. o vê como um ator de talento?
Marmo -
Ele merecia incentivo, como eu mereci e não tive quando comecei. É um iniciante, que foi jogado num covil de cobras, principalmente aquela "maldita" Ana Paula Arósio (risos). Ele, coitado, sofreu as conseqüências de um rapaz em início de carreira num grupo muito forte. Não acho que deveria ser premiado como grande ator, mas deveriam ter um pouco de paciência com ele.

Folha - A culpa, então, é menos dele e mais da escalação?
Manga -
É. Eu sei, porque posso me culpar pela escalação. Achei um casal lindo. Quando vi o teste dele e da Ana Paula, achei uma coisa tão bonita fisicamente...

Folha - O sr., que fez a primeira edição em videoteipe da TV brasileira ["Chico Anysio Show", TV Rio, 1961], fica assustado com a TV sendo transmitida por celular?
Manga -
Não. Quando iniciei isso todo mundo se assustou. Depois daquele passo, o resto é conseqüência. Na madrugada do dia da experiência, fomos para o vídeo trabalhar. Tentamos de todas as maneiras, até que descobrimos uma que deu certo. Foi a primeira e, graças a Deus, a última vez em que dei um beijo na boca de um homem. Nós nos abraçamos feito duas bichas românticas, dentro de uma salinha de videoteipe. Foi uma loucura (risos).

Folha - Seu projeto é encerrar sua carreira com um filme?
Manga -
Não sei se vou conseguir, mas é o que eu mais desejo. Cinema para mim é minha mãe.
 

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