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21/04/2004 - 04h18

Esplendores e loucuras da música, segundo Vladimir Ashkenazy

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ARTHUR NESTROVSKI
articulista da Folha

"Aren't they fantastic?" (Não são fantásticos?), perguntou o maestro Vladimir Ashkenazy à platéia, antes do bis. Nos dois últimos movimentos da "Quarta Sinfonia" de Tchaikovsky (1840-93), certamente foram; antes disso, talvez não tanto. Mas no final já estava todo mundo tomado pelo esplendor e pela loucura da música, e a simpatia energética do maestro só reforçava a vibração comum na Sala São Paulo, num domingo especial.

A European Union Youth Orchestra (Orquestra Juvenil da União Européia) é formada por músicos de até 23 anos de idade, vindos de 15 países, com bolsas de estudo. Patrocinada pelo Parlamento Europeu, viaja pelo mundo como porta-voz do melhor que o continente pode dar.

Fazia sentido, então, escutar essa orquestra num concerto comemorando o aniversário da Congregação Israelita Paulista, que, como disse o rabino Henry Sobel, quer promover uma sociedade onde "os valores humanos se sobreponham às diferenças". As dezenas de autoridades presentes --incluindo o vice-presidente José de Alencar, o vice-governador de São Paulo Cláudio Lembo e a prefeita Marta Suplicy-- já terão ouvido palavras desse teor até o limite da insensibilidade; mas sem escutar Mozart depois (a abertura de "Bodas de Fígaro"), com um sentido que é mesmo de Mozart e ali, quem sabe, se fazia ouvir.

Além de reger, Ashkenazy foi o solista no "Concerto nº 3" para piano e orquestra de Beethoven (1770-1827). Momentos brilhantes (a "cadenza" do "Allegro") e momentos de embaraço (platéia aplaudindo entre movimentos); tudo somado, uma interpretação fluente e equilibrada de um concerto que, a essa altura, pede mais do que fluência e equilíbrio. Mas o pianista, domingo, estava a serviço do regente; e o regente veio mesmo para Tchaikovsky.

Tolerância, na Rússia do século 19, não era exatamente um esporte nacional. A "Quarta Sinfonia", de 1877, foi escrita num dos períodos mais atormentados da vida do compositor: forçado a esconder a homossexualidade, casou-se, numa aventura que durou um mês e o deixou à beira do colapso. Anos mais tarde, o mesmo motivo levaria Tchaikovsky ao suicídio, mas por ora o inferno se resolvia em forma de música.

Tanto maior o apelo dos momentos de felicidade e tanto maior nossa dívida com a oboísta holandesa Anita Janssen, pelos solos no segundo movimento. Mas foi no terceiro, o famoso "scherzo" em "pizzicato" (cordas pinçadas com os dedos), que a EUYO deslanchou.

Regida em alta velocidade pelo vibrante minúsculo maestro, a orquestra virou uma máquina incrível, com precisão sueca e alma espanhola. Dali para a frente, a loucura pegou com tudo: nos acordes dissonantes dos metais, nos corais exuberantes das madeiras, nas cordas serrando alucinadas. Gostar de Tchaikovsky é gostar desse caos; e Ashkenazy rege a loucura com gosto.

Loucura bem de outra ordem foi lembrada pelo rabino Sobel. Domingo era Dia do Holocausto. Para isso, não existe música. Um minuto de silêncio, e a orquestra atacou o "Vocalise" de Rachmaninoff (1873-1943) --depois do quê, nessas circunstâncias, não havia mais nada a dizer.

Avaliação:

Orquestra Juvenil da União Européia
Quando:
hoje, às 11h, no parque Ibirapuera - pça. da Paz (av. Pedro Álvares Cabral, s/ nº); dia 22/4, às 21h, no Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº; tel. 0/xx/11/222-8698)
Quanto: entrada franca (Ibirapuera); entre R$ 50 e R$ 250 (Municipal)
 

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