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21/09/2000 - 07h16

Zeca Baleiro recheia seu terceiro disco com folk e blues

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES, da Folha de S.Paulo

"Líricas", terceiro álbum de Zeca Baleiro, 34, flagra o cantor e compositor maranhense aparentemente disposto a obedecer ao preceito de não se repetir.

"Líricas" diverge de seu antecessor eletronicamente orientado, "Vô Imbolá" (99), e opta por baladas cálidas, com musicalidade aninhada entre o folk e o blues. As muitas referências ao habitat nordestino, que estiveram presentes nos dois discos anteriores, também desapareceram por ora.

"O propósito é o disco se contrapor mesmo ao anterior, é negá-lo e afirmar outra coisa, que talvez num próximo momento seja negado também", explica Zeca.

Continua: "Tento desafiar um princípio da música pop, em que a repetição tem sido a norma. Repetir o disco anterior seria mais fácil para o público, para a gravadora e para mim também, mas não seria para o artista. Tenho sorte de estar num selo (MZA, vinculado à Universal) que privilegia isso. Mazzola (diretor do selo) sabe que é um disco difícil no contexto, de certa forma na contramão".

Estaria constituindo uma nova fórmula, a de contrapor sequencialmente referenciais divergentes (como tecno e folk, por exemplo)?
"Não pretendo fazer disso uma fórmula, mas minha natureza pede um pouco isso. Tem-se feito muito a busca do novo pelo novo, o que para mim é vazio. Quero o que é novo para mim, pisar onde não pisei ainda. Meu desejo era fazer um disco lírico, emocional, confessional, evidenciando sentimentos que estão meio soterrados pela cultura pop. Numa resposta romântica, estou atendendo ao meu coração."

"Você Só Pensa em Grana"

Seu coração, parece, padece de conflitos, mesmo tendo dois discos de ouro (cada disco de ouro equivale a 100 mil cópias vendidas) dos antecessores -"Por Onde Andará Stephen Fry?" (97) e "Vô Imbolá" (99)- na estante.

Uma temática recorrente em "Líricas" expõe um aparente desconforto diante do sucesso já conquistado e do pequeno poder (de expressão, mas não só) decorrente dele.

É o que se ouve em "Você Só Pensa em Grana" ("você rasga os poemas que eu te dou,/ mas nunca vi você rasgar dinheiro") ou "Minha Casa" ("não quero ser alegre/ como o cão que sai a passear/ com o seu dono alegre"), por exemplo.

Ele contemporiza: "O sucesso em si não me angustia, até porque é imponderável. Para mim, sucesso é poder realizar um trabalho com desenvoltura, com conforto até material. Espero utilizá-lo com sabedoria. Poesia versus grana é um discurso que me acompanha, acho esse embate positivo para a arte. Afirmo e nego o tempo todo, é um conflito meu".

Em "Babylon", escrita há dez anos, quando Zeca Baleiro era desconhecido e ainda morava em São Luís do Maranhão, aparecem os sonhos de sucesso e o verso-chave: "Cansei de ser duro, vou botar minh'alma à venda". Botou? Alguém comprou? "Não vendi. Até hoje, nunca fiz nenhuma grande concessão, posso me considerar um privilegiado. É um verso irônico."

"Balada para Armani"

Se em seu segundo CD -"Vô Imbolá"- o compositor maranhense utilizou o piercing como fetiche para ousar alguma crítica à modernidade, o alvo da vez é a moda, tema de "Balada para Giorgio Armani" -"o medo é a moda desta triste temporada", canta.

"Não tenho nenhum ressentimento com essas coisas, não. Essa relação pode ser crítica, também. Posso brincar com os clichês da moda. Só acho que se dá mais importância à moda do que ela merece, é um mundo rasteiro."

Opa, um preconceito? "Não é preconceito, não. É uma constatação. Não é só na moda. A apropriação das coisas sem estofo e a banalização são características da cultura pop. É divertido ver filme banal, também sou frívolo, mas não posso fazer isso o tempo todo, não vim aqui a passeio."

Críticas à parte, seu novo álbum não ocultaria a "nordestinidade" do artista atrás de conceitos gráficos e musicais um tanto europeus?
"Não foi intencional criar uma atmosfera européia. Meu trabalho é quase militante no sentido de afirmar brasilidade. Há um paralelo entre o folk e o blues e os lamentos negros de Minas Gerais, por exemplo. Nas fotos, quis encarnar o poeta andarilho, errante. Quis limpar as cores, o barroco, é a antítese de "Vô Imbolá". É um golpe de marketing? Não sei, para mim é um processo natural."

Ele não tenta, entretanto, ocultar o referencial externo. O trovador Nick Drake (1948-74) é uma das referências de "Líricas"? "Sim, ouvi bastante antes de fazer o disco. Também Elliott Smith, Neil Young, Ben Harper. Era um tipo de sonoridade que eu desejava, ouvi esses artistas com ouvidos técnicos."

"Minha Casa"

Na canção de abertura, "Minha Casa", Zeca canta que é "mais fácil viver de sombras que de sóis", para, em seguida, oferecer um disco sombrio -uma contradição?

"Não. Ele à primeira vista parece sombrio, mas acho que é ensolarado. Não é deprimido, niilista. Não quero ser maldito, quero viver de sóis.
Já vivi nas sombras, esse meu temperamento já me levou a caminhos sombrios, a "bad trips". Quero poder provar que é possível permanecer lúcido dentro desse círculo decadente. Essa missão eu tenho, sim."

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