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27/04/2004 - 04h00

Jorge Ben Jor grava DVD com Racionais MC's

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

Era domingo, 25 de abril, dois dias após o Dia de São Jorge. Devoto do santo e de seu correspondente afro-brasileiro, Ogum, são Jorge Ben Jor, 62, deu aos rappers Racionais MC's a honra de subir em seu palco. O domínio era Itaquera, zona leste paulistana, tão hipnotizada por Mano Brown e seus companheiros quanto o extremo sul da cidade, em que se criaram e se desenvolveram.

A princípio, pouco pareceriam se comunicar o samba-soul leve de Ben Jor e o rap duro dos Racionais. Mas Jorge é um de seus ídolos, e Mano Brown demonstrou isso a um público que mal conhecia o herói de seus heróis.

Ben Jor introduziu os Racionais como banda principal do minifestival armado pelo Sesc Itaquera no projeto "Hip Hop - Os Cinco Elementos". No ar livre do parque do Carmo, acompanhavam-nos mais de 10 mil pessoas (e nenhum incidente policial). O grupo aproveitava para gravar cenas centrais do primeiro DVD de sua história.

O músico carioca entrou cantando "A Bênção, Mamãe, a Bênção, Papai" (84), como a querer ensinar ao público de periferia o respeito familiar. Vozes de "vira o disco" se ouviam na platéia.

Ben Jor saiu, Mano Brown entrou para hipnotizar. Só ao final o patrono voltou. Sample de Isaac Hayes e violão bem Ben pareciam anunciar a versão racional para "Jorge de Capadócia" (de 75, regravado em 97), mas ela não veio.

Jorge se contentou em se integrar, sorridente e descontraído, à coreografia e aos vocais de fundo do coro do Projeto Guri. Fizeram "Fim de Semana no Parque" (94), dos Racionais, a que Ben Jor acrescentava a frase "deixa o menino brincar", de canção de 1965.

Brown agradeceu a presença e falou da importância de Ben Jor, criticando o público de elite que nos anos 60 considerava-o alienado (segundo suas palavras) e ressaltando a importância dele na constituição de uma política racial brasileira. Ben não comentou.

Se no palco pareceu só coadjuvante, nos bastidores não era bem assim. Brown o apresentou a seus dois filhos, Jorge e Domênica, batizados assim em honra do ídolo e de sua mulher, Domingas. O veterano cantarolou para as crianças "Domênica Domingava num Domingo Linda Toda de Branco" (70). Era domingo. Leia, a seguir, flagrantes da tarde fria e chuvosa.

MANDA-CHUVA

Uma mulher negra, miúda, enérgica e gentil colocava ordem no pequeno cercado à direita do palco, onde se amontoavam parentes e convidados dos artistas do festival (Trilha Sonora do Gueto, Dina Dee e Visão de Rua, Di Função, Nega Gizza etc.). Ao perceber que dois deficientes físicos tentavam em vão enxergar o palco de suas cadeiras de rodas, ela determinou à equipe do Sesc que eles fossem levados à frente do palco, longe do tumulto. Era a mulher de Mano Brown.

FAMÍLIA RAP

Era regra a presença de mães, filhos e parentes dos rappers no palco. Os filhos do hip hop, em especial, tiveram lugar de honra ao lado de seus pais --inclusive Jorge, filho de Mano Brown. Zequinha, de seus quatro anos, seguia no palco os movimentos do pai, Cascão (Trilha Sonora do Gueto). De microfone na mão e expressão séria e melancólica no rosto, só esboçou sorrir quando o pai o convocou a rimar e foi ovacionado pela platéia.

A MURALHA

Ao lado dos dois filhos pequenos vestidos em alta moda hip hop, Dina Dee lembrou o marido preso "do outro lado da muralha": "A liberdade tarda, mas não falha". Cascão mencionou possuir "matrícula" e dedicou gesto obsceno aos policiais presentes. O público delirou.

FORA A MÍDIA

Mano Brown sublinhou o discurso de desconfiança em relação à mídia. Pediu aos fãs que parem de ver "Malhação" e sejam bem-vindos à realidade. Chamou Globo, SBT e outras grandes redes de TV de "mentirosas". No contrapé, convocou para vocais gospel especiais a cantora Vanessa Jackson, que saiu do gueto ao vencer o programa global "Fama" --e já voltou ao gueto.

ÂNGULO DE VISÃO

Ferréz, escritor e agora também cantor de rap do Capão Redondo, via os shows na fila do gargarejo. Também dali, colado à grade que o separava do setor de convidados, o garoto de cerca de dez anos cutucou o repórter, que tampava sua visão do show. "Dá para afastar para eu ver?", pediu, com doçura tímida.
 

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