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27/04/2004 - 04h31

Livro conta a odisséia histórica do pão

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LUIZ CAVERSAN
da Folha de S.Paulo

Não se trata de um livro de gastronomia. Muito menos de um rol de receitas para a confecção ou o aproveitamento culinário do mais popular dos alimentos humanos. É um livro de história. Ou que trata de sociologia, antropologia, das religiões. Também de botânica, medicina, filosofia, política, lingüística, ciências jurídicas, teologia, química, agricultura, tecnologia. Uma odisséia que tem início nos primórdios da existência humana, vai até meados do século passado e relata a vibrante, curiosa e rica trajetória de um único personagem: o pão.

Para contar a história do pão, o escritor alemão Heinrich Eduard Jacob (1889-1967) se valeu de uma bibliografia tão vasta quanto as áreas de seu interesse. Próximo do expressionismo alemão, amigo de escritores como Thomas Mann e Stefan Zweig, foi romancista, jornalista, correspondente na Primeira Guerra e o autor de uma outra importante obra de referência, que passa pelo Brasil, "Saga e Marcha Triunfal do Café".

Ao lado de sua militância literária de cunho social, iniciou os estudos sobre a história cultural do pão na Alemanha pré-hitlerista, regime do qual acabou sendo vítima, por conta da origem judaica. Deixou o país em 1939 e se fixou nos EUA, onde publicou o presente livro apenas nos anos 50.

Fazia parte, conforme bem define o editor Nelson dos Reis, da Nova Alexandria, daquela linhagem de autores que, "numa época em que o conhecimento não estava tão confinado a campos especializados, eram capazes de transitar de um campo a outro, pois tinham aquele conhecimento humanístico amplo que não se vê mais. Um exemplo bastante significativo no Brasil desse tipo de intelectual foi Otto Maria Carpeaux. Talvez para Jacob valha a definição que Antonio Candido deu à obra de Carpeaux, nomeando-a como estilística-sociológica".

É por conta disso que o universo de "Seis Mil Anos de Pão" é vasto. Começa com uma discussão acadêmica na Inglaterra, envolvendo Charles Darwin e uma inusitada e nunca comprovada teoria de que as formigas teriam "inventado" a agricultura. Transita pela Antigüidade, desde que o arado surge entre os etruscos. Relata os primórdios da semeadura, a descoberta do trigo e da cevada, o advento do cozimento do grão no Egito antigo, que também assistiu ao surgimento da fermentação.

Foi ali, sustenta o autor, que o pão apareceu na sua forma e fórmula originais pela primeira vez. Nenhum outro produto, diz Jacob, dominou o mundo antigo, material ou espiritualmente, como o pão foi capaz de fazer.

A imbricação com política e religião é permanente. Passa pela Grécia e por Roma antigas, pelas leis religiosas e sociais judaicas e por Jesus Cristo, o "deus do pão", neste caso especulando com ousadia intelectual sobre o milagre da multiplicação do alimento.

É também, de certa forma, um tratado sobre a dinâmica tecnológica, uma vez que reconstrói toda a evolução dos processos de plantio dos cereais e fabricação da farinha, com a modernização da moagem e do processamento.

Como não poderia deixar de ser, atravessa a Idade Média, chega à América com os descobrimentos, percorre a Revolução Francesa e sua "conspiração dos cereais", atravessa o império napoleônico, deságua na modernidade como massa de manobra de poderosos de plantão, como o próprio Hitler, algoz do autor. E alcança o mundo contemporâneo com a propagação capitalista das bolsas de mercadorias, em que o trigo se destacou como uma espécie de ouro vegetal.

A principal virtude do livro talvez seja, de acordo com a definição do editor Reis, a "polifonia" de campos do conhecimento que Jacob utiliza para abordar o pão, que se faz presente como alimento, personagem histórico, símbolo, moeda, elemento místico etc.

Dessa forma, o trabalho se constitui num "romance sobre a história da sobrevivência humana".

Mal comparando, uma espécie de "História da Vida Privada" do mais tradicional alimento de todos os tempos.

SEIS MIL ANOS DE PÃO - A CIVILIZAÇÃO HUMANA ATRAVÉS DE SEU PRINCIPAL ALIMENTO
De:
Heinrich Eduard Jacob
Editora: Nova Alexandria
Quanto: R$ 68, em média (581 págs.)
 

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