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27/04/2004 - 15h37

Saramago rebate críticas feitas ao livro "Ensaio sobre a Lucidez"

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GABRIELA CALOTTI
da France Presse, em Madri

O escritor português José Saramago, intelectual comunista comprometido com sua época, defendeu hoje em entrevista coletiva realizada em Madri seu mais recente romance, "Ensaio sobre a Lucidez", no qual destaca o papel democrático do voto em branco e criticou a "bolha democrática" em que vivemos, regida pelo poder econômico.

Prêmio Nobel de Literatura em 1998, Saramago, 81, defendeu seu romance das críticas, rejeitando as acusações de que "pretendeu destruir a democracia" e atribuiu ao "pânico" que gera em muitos o fato de que "a alternativa que propõe é um voto em branco".

"O voto em branco é um voto democrático. Está claro que se o voto em branco superasse os 5% ou 10%, os partidos políticos entrariam em pânico", disse Saramago, que chamou de "preocupante" o fato de que, "numa sociedade onde se fala muito de democracia, os partidos políticos prefiram a abstenção, que as pessoas fiquem em casa, a que votem em branco".

"Vivemos numa bolha democrática, uma miragem democrática onde funciona a liberdade de imprensa, de expressão e de partidos, mas que fica por aí", disse Saramago.

Militante comunista, Saramago nasceu em 16 de novembro de 1922 na aldeia de Azinhaga (Ribatejo), numa família de lavradores e artesãos. Ele sempre deixou em seus romances a marca de sua ideologia, com freqüência abordando a relação do homem com o trabalho, tal como dizia Karl Marx em seu materialismo dialético.

Em "Ensaio sobre a Lucidez", o escritor português faz uma dura crítica ao sistema democrático de uma ficção concentrada nas eleições municipais numa cidade sem nome em que mais de 83% das pessoas votam em branco, resultado que causa um verdadeiro terremoto político.

"O romance não se situa em nenhum país, pois acho que pode ocorrer em todos", explicou Saramago, ao ser consultado sobre um relatório recente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD] sobre a América Latina, segundo o qual 44,9% da população apoiariam um governo autoritário desde que resolvesse os problemas econômicos.

O resultado desta pesquisa "significa simplesmente que a democracia não cumpriu com suas obrigações básicas", afirmou Saramago, que se remeteu diretamente ao caso de Portugal, onde, dos 10 milhões de habitantes, dois milhões são pobres e 500 mil estão desempregados.

"E isto é a democracia", ironizou o autor de "Ensaio sobre a Cegueira" (1996), "Levantado do Chão" (1980), "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (1991), "A Caverna" (2001), entre outros.

Saramago diz que o poder econômico condiciona "totalmente" a vida das pessoas e que a "democracia não é capaz de proteger seus cidadãos do poder econômico. Portanto, é uma democracia sem força", afirmou.

"Eu não elegi o FMI", disse o escritor português, cujo primeiro romance, "Terra de Pecado" publicou em 1947, depois de refletir sobre o peso do poder econômico no político.

"O poder real funciona segundo regras que não são democráticas", disse, antes de afirmar que "as mentiras não são o Iraque".

Após afirmar que, quando escreve, não o faz "pensando" no que dirá o Partido Comunista de Portugal, do qual é militante, afirma que nos resignarmos ao pensamento de que a democracia "é o sistema menos ruim é um erro pois é uma forma paralisante" de agir.

Questionado sobre o "parentesco" entre "Ensaio sobre a Lucidez" e "Ensaio sobre a Cegueira", Saramago disse que não só têm um "título irmão", mas que alguns personagens aparecem nos dois romances, unidos pelos dois elementos-chave presentes na história: a cegueira branca e o voto em branco como símbolos da "contestação de uma realidade que não satisfaz as pessoas", explicou.

"Pode acontecer que um dia tenhamos que nos perguntar quem assinou isto por mim", disse Saramago, ao ler em voz alta uma frase de seu romance que resume o sentimento de seus personagens, que votam maciçamente em branco, um resultado que o primeiro-ministro fictício interpreta como um "golpe brutal à normalidade democrática".
 

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