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01/05/2004 - 08h39

Glauco Mattoso vai contra sua "maldição"

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CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Ícone do "malditismo literário brasileiro", o poeta Glauco Mattoso vive um momento "sui generis" na sua trajetória: o autor está às voltas com três lançamentos simultâneos de livros, cada um por uma editora diferente.

Recém-dobrado do cabo dos 50 anos, o escritor paulistano diz que a "tríplice coroa" chega no "melhor momento de sua carreira". "Tem gente que diz que a vida começa aos 30, outros que começa aos 40. Só sei que a vida literária começa aos 50", afirma o poeta, ensaísta, letrista e tradutor.

Para comemorar esse "começo", Mattoso assopra as velinhas com um bocado de poemas feitos na "vida anterior". Ele está lançando pela editora Landy, como parte da coleção de poesia Alguidar, o volume "Poesia Digesta", que faz um balanço dos seus 30 anos de poesias "indigestas".

Com o subtítulo "1974-2004", o livro --que em seu título brinca com o termo em inglês "digest" (digesto, condensado, compilado, resenhado)-- vem sendo digerido pelo escritor há muitos e muitos anos.

Sua "superantologia", como qualifica o trabalho, era uma forma de seguir os passos de um de seus "modelos" literários, o poeta concreto Augusto de Campos.

"Seu primeiro livro saiu quando nasci, em 51, e me considero de certa forma um discípulo, ainda que eu tenha tido uma trajetória bem diferenciada da dos concretistas. Em 79, Augusto publicou seu 'Viva Vaia', com o subtítulo '49-79', balanço de três décadas. Eu falei: um dia vou fazer isso."

Em 1995, o glaucoma que estragava a visão do escritor desde garoto (Glauco Mattoso, vale repetir, é o pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva) deixou-o totalmente no escuro. "Tive certeza de ter chegado ao fim da carreira literária, mas foi é a virada."

O escritor, que já tinha transgredido com todos os tipos de formatos poéticos, do haicai ao particularíssimo estilo do "Jornal Dobrábil", paródia de um jornal que ele fazia com versos escrachados, lançou-se no aparentemente menos provável dos formatos para transgressões: o soneto, com todas as regras de versificação incluídas.

Glauco Mattoso ultrapassou há pouco a inacreditável marca dos mil sonetos escritos.

É desse arcabouço que saíram os poemas para os outros dois livros que o escritor está colocando nas prateleiras. A jovem editora Lamparina, usando como base o repertório sonetista de livros recentes de Mattoso pelo selo Ciência do Acidente, publicou "Pegadas Noturnas - Dissonetos Barrockistas".

Já a Geração Editorial se tornou a primeira editora de médio porte e com perfil mais comercial a lançar poemas do "maldito" no livro "Poética na Política", que esculhamba com Fernando Henrique, Itamar Franco, Zé Dirceu (bem antes do caso Waldomiro), ACM e Lula (uma "carta" ao presidente abre o volume).

Com tantos lançamentos, o "maldito" estaria se "desmalditizando"? "Será? Olha, pode ser, não é? Mas a gente só vai poder dizer isso depois de algum tempo se a edição esgotar e se for reeditado. Se tiver uma segunda edição de cada um desses títulos, aí eu vou acreditar que estou sendo desmalditizado", expressa Mattoso, com a voz grave e tranqüila.

É com esse "longo prazo" que ele diz sempre ter trabalhado. "Se eu chegar a ser, vamos dizer assim, inscrito no mesmo patamar do Gregório [de Mattos], isso vai levar muito tempo, não vai ser já. Essas coisas sempre ficam para a posteridade. É uma probabilidade que a gente deixa para ser analisada depois."

Mattoso brinca que só ficaria famoso agora se "acontecesse algum fato noticioso, alguém matar alguém por causa de um poema meu, por exemplo". A outra "hipótese" seria ser censurado. "O Juca Chaves ficava torcendo para censurarem cada música que ele lançava."

O poeta "maldito" diz que não se incomodaria de passar a fazer sucesso, mas que sempre soube que seria "um fracasso". "Enveredei por aquele veio subterrâneo, como dizia o José Paulo Paes, que é o fescenino. O fescenino é, automaticamente, uma poesia excluída, uma poesia que só poucos vêem porque ela incomoda, ou por questões morais, ou éticas ou estéticas."

O universo "fescenino" de Glauco Mattoso, marcado pela adoração sexual ao pé masculino, protagonista de todo um livro de poemas do autor, "Centopéia", e objeto de decoração de sua sala toda (que tem desde desenhos de homens lambendo pés alheios, por Tom of Finland, até a propaganda do extinto picolé em forma de pé Perepepé), comparece, claro, em "Poesia Digesta".

Mas a coletânea tem como um dos destaques a apresentação das facetas desconhecidas e mais atuais do artista. "Dei uma boa parada nos sonetos e eu estou fazendo glosas, poesia nordestina. Tenho feito até cordel pela internet com cordelistas nordestinos", conta Mattoso.

O volume editado pela Landy, organizado por blocos temáticos como "Palatáveis e Culinários", "Libertinos e Latrinários" ou "Experimentais e Marginais", tem amostras de diversos desses inéditos "nordestinos".

"O repente tem uma estrutura bem fixa, como o soneto. Tenho preferido trabalhar assim. Gostoso é transgredir dentro da norma. É muito mais difícil você transgredir dentro de um determinado molde do que abolir o molde pura e simplesmente. Porque, quando você abole qualquer regra, você pode fazer o que você quiser, como aquela famosa frase: 'Se Deus morre, tudo é permitido'."

Eis aí o Glauco Mattoso "depurado". "No começo, fazia uma pregação política muito niilista, contra tudo e contra todos. Depois você vai depurando isso, vai aprimorando. Vai pondo mais o dedo na ferida, atacando os podres, por exclusão você vai deixando claro aquilo que seria o ideal na política, porque se você só critica parece que você é uma metralhadora giratória e que nada se salva. Não é verdade."

POESIA DIGESTA
Editora:
Landy (tel. 0/xx/11/3081-4169)
Quanto: R$ 35 (232 págs.)

PEGADAS NOTURNAS
Editora:
Lamparina (tel. 0/xx/21/2232-1768)
Quanto: R$ 30 (216 págs.)

POÉTICA NA POLÍTICA
Editora:
Geração Editorial (tel. 0/xx/11/3872-0984)
Quanto: R$ 24 (112 págs.)
Autor (dos três): Glauco Mattoso
 

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