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08/05/2004 - 06h49

Renato Borghi sintetiza produção brasileira em espetáculo

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SERGIO SALVIA COELHO
Crítico da Folha de S.Paulo

A autobiografia é um gênero perigoso de encenar: irresistivelmente, o ator tende a se tornar promotor de si mesmo para uma platéia de fãs. Entre o distanciamento crítico, que sempre pode soar como falsa modéstia, e o despudor de se limitar a responder perguntas do público, em geral peças assim têm mais valor pelo evento do que pelo espetáculo.

Não é o caso de "Borghi em Revista". Cercado por cúmplices competentes --como o roteirista e diretor Élcio Nogueira Seixas e seu filho Ariel Borghi, com quem contracena--, Renato Borghi desfia sua "renatopéia" antes de tudo com um imenso humor.

Logo de saída escracha com o que poderia haver de autocelebrativo na proposta: entra em cena apresentado entusiasticamente como um grande cantor, que é o que seria se não tivesse sido seduzido quase por acaso ao teatro.

Além de desautorizar o que poderia ser um museu de cera de seus grandes momentos, essa auto-ironia é particularmente útil como contraponto de evocações ainda dolorosas, como a ditadura e o confisco de Collor. Por outro lado, não se limita a narrar o que protagonizou no teatro, apesar de seu repertório de 45 anos de aventuras glórias e inglórias.

Com a mesma generosidade, Borghi descreve o teatro que via antes de subir no palco: o teatro de revista, que remete à sua musa Dalva de Oliveira, Oscarito e Grande Otelo, além do fascínio pelos carismáticos atores da velha guarda, como Dulcina de Morais e Procópio Ferreira. Na última parte, não menospreza o teatro atual, evocando com o mesmo entusiasmo o recente ressurgimento do teatro de grupo, do que ele foi um fomentador importante no centro de seu Teatro Promíscuo e sua Mostra de Dramaturgia Contemporânea.

O espetáculo é, portanto, uma aula de um professor incomparável, que não só sintetiza períodos inteiros em fórmulas irresistíveis (o primeiro Arena era um teatro de "James Dean da Mooca") como imita com desenvoltura uma mágica galeria de atores: vemos em cena Procópio, Cacilda, Sérgio Cardoso, Fauzi Arap. Na platéia, segurando o fio dessa meada, Ariel Borghi vai soprando tópicos para seu pai improvisar, até ser convocado ("nessa época você nasceu, pode subir ao palco").

Dependendo do dia, personagens da trama surgem ao vivo na platéia, enquanto público, e travam o diálogo, o que permite o habilmente flexível roteiro.

Mas o improviso não gera desleixo: a seqüência prevista de fatos está ancorada na luxuosa e sóbria direção de arte de Márcia Moon, sugestão cubista de coxias, cortinas e escadas, enriquecida pela projeção de fotos e filmes que concretizam os fatos evocados.

No momento de maior emoção, quando às imagens do jovem Abelardo do "Rei da Vela", em 1968, se sucede uma performance ao vivo, com o mesmo figurino e juventude, é impossível não pensar na fórmula de Patrice Pavis: a memória do teatro só se conserva por inteiro no corpo dos atores.

Assim, todo ator é um arquivo vivo do teatro, apesar de só os maiores atores conhecerem a glória de batizar teatros, se tornarem um nome comum. Mas há os que vão ainda além: por sua generosidade e entusiasmo constantes, tornam-se pontos de encontro. Todo o teatro brasileiro se encontra em Renato Borghi.

Avaliação:

Borghi em Revista
Roteiro e direção: Élcio Nogueira Seixas
Onde: CCBB - teatro (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651)
Quando: de qui. a sáb., às 20h; dom., às 19h; até 6/6
Quanto: R$ 15
 

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