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09/05/2004 - 14h11

Festival de Cannes cede ao ataque latino

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

Um quê de Miami toma conta da edição 2004 do Festival de Cannes --os latinos estão por toda parte. Na competição pela Palma de Ouro, nas mostras paralelas, em retrospectivas, na Quinzena dos Realizadores, na Semana da Crítica; em cada quadrante (oficial ou paralelo), enfim, do mais importante festival europeu de cinema há um filme produzido no costado oposto do Atlântico.

"A América Latina traz a Cannes neste ano uma característica de renovação e energia. Buscávamos essa energia", diz à Folha Thierry Frémaux, diretor artístico do festival. É por decisão de Frémaux que a argentina Lucrecia Martel ("La Niña Santa") e o brasileiro Walter Salles ("Diários de Motocicleta") competem pela primeira vez à Palma de Ouro, prêmio máximo do festival.

É também por escolha de Frémaux que um filme equatoriano ("Crónicas", de Sebastián Cordero) e um uruguaio ("Whisky", de Pablo Stoll e Juan Pablo Rebella) integram a seção Un Certain Regard (Um Certo Olhar), vista por aproximadamente 4.000 jornalistas e críticos de distintos países.

Copa do Mundo

"Comparo isso com a última Copa do Mundo [2002], quando o Equador se classificou pela primeira vez. Talvez a presença de "Crónicas" em Cannes seja o fato mais importante para os equatorianos neste ano, porque coloca o país no mapa", diz Cordero, o diretor do filme. A média de produção de longas no Equador é de um a cada três anos.

História de ficção, "Crónicas" acompanha dois jornalistas do programa sensacionalista "Una Hora con la Verdad" no vaivém de uma reportagem investigativa em que tramóias políticas e desvirtuamentos do poder da mídia se misturam.

Presente em Cannes na competição de curtas-metragens (com "Quimera", experimento da fusão das linguagens do cinema e das artes plásticas), o brasileiro Eryk Rocha acha que a tendência ao ufanismo com o "boom" latino pode embaçar a percepção de um problema crônico na região --a dificuldade de circulação dos filmes entre os países vizinhos.

"É preciso ir a Paris para ver filmes argentinos. Não podemos ter deslumbramento com o Primeiro Mundo nem cair na ilusão de que bastam as atenções da Europa e dos EUA voltadas para nós."

Cinema novo

O documentarista chileno Patricio Guzmán, escalado na Seleção Oficial com "Salvador Allende", acha frágil a idéia de que estamos diante de uma onda latina no cinema mundial.

"O êxito dos filmes argentinos atuais é concreto, mas isso não significa uma onda latina. Não é nada comparável ao que foi o movimento do cinema novo no Brasil [nos anos 60] ou a pujança que o cinema mexicano teve um dia", afirma.

Na opinião de Guzmán, radicado na França há quatro anos, "o realismo mágico e a política sepultaram o cinema na América Latina".

"Por um paradoxo, ou talvez uma bela coincidência", como aponta Frémaux, estarão lado a lado em Cannes o cinema novo dos 60 e a efervescência atual. O festival organiza retrospectiva de títulos brasileiros com trajetória em Cannes, para homenagear os 40 anos da edição em que competiram pela Palma de Ouro os brasileiros "Vidas Secas", de Nelson Pereira dos Santos, e "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha (1939-1981), pai de Eryk Rocha.

"Cada país ou cada continente tem os seus ciclos. O do cinema novo durou dez, 15 anos e estagnou. Agora, há algo que recomeça. Neste ano, conseguimos fazer uma homenagem à história e à atualidade", afirma Frémaux.

O crítico Aurélien Ferenczi, da revista francesa "Télérama", enxerga "duas ondas simultâneas" no panorama da produção latina, uma formada pelos argentinos e outra que reúne diversos nomes de outros países.

Internacionalização

"Cineastas como Walter Salles, Fernando Meirelles ["Cidade de Deus"], Alejandro González Iñárritu ["Amores Brutos"] e, talvez, Beto Brant ["O Invasor"], têm a preocupação --não vergonhosa-- de se tornarem internacionais", diz Ferenczi.

O crítico tem dúvidas se "esses cineastas continuarão a fazer filmes em seus países de origem", enquanto "os argentinos são diretores com um perfil cinéfilo, fazem filmes artesanais, com pouco dinheiro e pretendem continuar a trabalhar nessas condições, ao menos no caso de Lisandro Alonso ["Los Muertos", na Quinzena dos Realizadores], Diego Lerman ["Tan de Repente"] e Daniel Burman ["El Abrazo Partido", vencedor em Berlim neste ano]".

Ferenczi observa uma coincidência entre o perfil dos diretores argentinos e o dos uruguaios de "Whisky", autores de um único filme anterior, "25 Watts".

"25 Watts" (2001) foi feito com US$ 200 mil (cerca de R$ 593 mil). "Whisky" custou o dobro, "um passo gigante", segundo o diretor Rebella, num país que produz em média três filmes por ano.

Com uma indústria cinematográfica tão incipiente, Rebella diz que "seria muito atrevido" nomear-se cineasta no Uruguai. Ele e Stoll trabalham também como publicitários. Whisky é a palavra que os uruguaios costumam dizer para aparecer sorrindo em fotos. A dupla escolheu esse título "porque o filme tem a ver com esse sorriso falso".

Rebella diz que não se sente parte da onda latina. Ele avalia que muitos filmes da região ainda se assentam na "pobreza para exportação", o que contribui para "aprisionar o cinema latino num rótulo". A exceção, afirma, são "os novos autores argentinos".

A admiração pelos argentinos também é notada em Walter Salles. "À diferença da maior parte da crítica européia, considero que o cinema mais interessante da atualidade não é o asiático, e sim o argentino", afirma.

Além dos latinos, os asiáticos também tomaram Cannes de assalto neste ano. "Temos três filmes da Coréia na Seleção Oficial. Por quê? Porque a Coréia é um país com política pública de cinema, e Cannes está atento a isso", diz Frémaux.

É para um asiático em especial, o chinês Wong Kar-wai ("Amor à Flor da Pele"), que se voltam as apostas de vitória da Palma. O prestigiado Kar-wai tem entre seus maiores fãs o norte-americano Quentin Tarantino, presidente do júri oficial de Cannes.

O diretor artístico da mostra afirma que "Tarantino não decidirá sozinho, pois preside um júri de oito pessoas" e diz que o resultado pode "trazer uma surpresa". Frémaux ampara-se em exemplos: "Quando David Lynch foi presidente do júri, deu a Palma a Roman Polanski, por "O Pianista" [2002], um filme clássico, completamente diferente de sua obra".
 

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