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14/05/2004 - 05h29

Emir Kusturica quer cinema "maior que a vida"

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FERNANDO EICHENBERG
Free-lance para a Folha de S.Paulo, em Paris

Duplamente vitorioso da cobiçada Palma de Ouro no Festival de Cannes --"Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios" (1985) e "Underground" (95)--, o cineasta Emir Kusturica, 49, está de volta à competição francesa. Seu mais recente filme, "A Vida É um Milagre", será exibido hoje na programação do festival, ao mesmo tempo em que entra em cartaz nas salas de cinema da França.

Definido pelo autor como "um drama shakespeariano otimista", o filme se passa na conflituosa região dos Bálcãs, em 92. Luka (Slavko Stimac), um engenheiro sérvio de Belgrado, se instala numa aldeia fronteiriça, nas montanhas, para construir uma estrada de ferro turística. Seu destino sofrerá uma reviravolta com a deflagração da guerra. Militares sérvios lhe confiam uma refém muçulmana, Sabaha (Natasa Solak), para ser trocada pelo seu filho, prisioneiro de guerra, mas ele acaba se apaixonando pela sua cativa.

Fiel ao seu universo onírico, barroco, burlesco e musical, na primeira metade do filme Kusturica se ilustra na sua arte. Adentram no cenário um caleidoscópio de personagens, de uma cantora de ópera alérgica a políticos mafiosos e militares traficantes. À medida que o filme avança, a narração se concentra na história de amor dos personagens principais.

Com o filme, está sendo lançado o documentário com cenas e depoimentos inéditos "Emir Kusturica, Tendre Barbare" (Emir Kusturica, Terno Bárbaro), realizado por Marie-Christine Malbert. "Para dar um sentido profundo a uma obra, para ser tudo aquilo que a civilização não quer, é preciso ir fundo nas suas emoções e fazê-las emergir. É por isso que minhas preocupações são bastante isoladas na paisagem cinematográfica atual", diz ele.

Em Paris, antes de descer para a Côte d'Azur, Emir Kusturica conversou com a Folha.

Folha de S.Paulo - Filmar uma história de amor de dois personagens não é comum para você. Foi difícil?

Emir Kusturica - Tinha receio se era realmente capaz de permanecer apenas com os dois personagens todo o tempo. Eu tenho um medo enorme do lado falso, tedioso e pretensioso dos filmes. Tenho muito medo da psicologia, no sentido fora de moda do termo, quando a emoção muitas vezes se torna sentimentalismo. E se vê muito isso no cinema. Mas essa interessante história entre os dois personagens acaba se tornando parte do filme como um todo.

Folha de S.Paulo - O escritor Peter Handke disse que seus filmes estão situados entre Shakespeare e os irmãos Marx. Qual foi a maior influência em "A Vida É um Milagre"?

Kusturica - Esse é o lado moderno da minha técnica. Envolvo todos os aspectos das influências que perpassam minha vida e fico muito contente com isso. Dessa vez, procurei também o alinhamento na natureza, na paisagem, para destacar e tornar minha "love story" mais forte. Em relação a Handke, diria que dessa vez a natureza joga o lado de Shakespeare mais para dentro da história.

Folha de S.Paulo - Com exceção de "Arizona Dream" (93), filmado nos EUA, seus filmes se passam na região dos Bálcãs e tratam de temas universais...

Kusturica - É verdade. Eu me espanto pelo fato de que o cinema não é mais como costumava ser em Hollywood, quando o cinema era maior do que a vida. Aparentemente, a vida se tornou maior do que o cinema. Nos festivais, você observa que os roteiros são muito melhores do que os filmes. Estão matando os autores na indústria do filme.

Folha de S.Paulo - Em meio aos avanços tecnológicos, o sr. defende a necessidade de nova estética no cinema?

Kusturica - Não há uma fotografia preto-e-branco do mundo. Não há por que acreditar que existe apenas um lado. Quando você pensa em cinema, sempre poderá achar um lugar para um tipo de cinema contra muitos outros. O problema é que a rapidez das descobertas é muito difícil de ser acompanhada.

Folha de S.Paulo - O sr. está construindo uma aldeia na Sérvia, onde "A Vida..." foi filmado. Será um local para organizar um festival?

Kusturica - Estou construindo uma comunidade para desenvolver várias atividades. Será um lugar para o qual se poderá fugir e quem quiser poderá fazer cerâmica, filmes, usar a cultura como terapia. Essa é a idéia central.

Folha de S.Paulo - Como o sr. vê a situação atual nos Bálcãs?

Kusturica - Os problemas são muitos. Tenho medo de que Europa e EUA deixem as coisas piorarem. A região ainda é uma área de circulação de serviços secretos, com atividades implementadas.

Folha de S.Paulo - Já rotulado como "nobody from nowhere" (ninguém vindo de lugar nenhum), como o sr. vê o crescimento da União Européia?

Kusturica - Não sei onde estão as fronteiras da Europa. Quem sabe a China se torne Europa um dia. Talvez no futuro o mundo será divido em América do Norte, América do Sul e Eurásia. A Europa é o futuro. Mas para que, não se sabe.
 

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