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16/05/2004 - 08h22

São Paulo abriga cinco séculos de teatro

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Shylock empresta dinheiro. Ele não engana os interlocutores com quem negocia, só se aproveita de suas necessidades. Já Bastiana vende amor, sabedoria e sossego com pedaços de bolo de girassol. Entre o descaminho de um e o caminho de outro, há uma transversal de quatro séculos de teatro.

Numa ponta, o inglês William Shakespeare (1564-1616), com "O Mercador de Veneza", texto do século 17 em cartaz no porão do Centro Cultural São Paulo, projeto do diretor Sérgio Ferrara e da cia. de Arte Degenerada.

Noutra, o cearense Gero Camilo, 33 anos, com "As Bastianas", conto adaptado pela cia. São Jorge de Variedades e encenado por Luís Mármora na Oficina Boracea, um dos albergues da prefeitura.

Shakespeare e Camilo ocupam os extremos do recorte panorâmico de 15 autores que a Folha fez entre as cerca de 60 peças da atual temporada paulistana.

Nela, o espectador tem a chance de acompanhar um naco considerável da história da dramaturgia universal. Curiosamente, no momento não constam montagens de tragédias ou comédias da Grécia, o berço. Dias atrás, era possível assistir até a duas versões sobre o mito de Medéia.

Mas Shakespeare nunca é pouco, sobretudo acompanhado pelo alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), cujo "Fausto Zero" traz Walderez de Barros à frente do elenco dirigido por Gabriel Villela, no espaço Promon.

Do século 19, há textos raramente montados por aqui, caso de "Credores", do sueco August Strindberg (1848-1912), produção carioca do diretor Antonio Gilberto, em cartaz no Sesc Anchieta, e "Os Jogadores", do russo Nicolai Gógol (1809-1852), sob direção de Hugo Coelho, no Teatro Folha.

Já com um passo no século 20, entraria em cartaz ontem "Pequenos Burgueses", do russo Máximo Górki (1868-1936). A peça marcou a trajetória do grupo Oficina nos anos 60, dirigida por José Celso Martinez Corrêa, e volta agora pela cia. Fábrica São Paulo, que inaugurou há pouco sua sede na r. da Consolação. Quem dirige é o também ator Roberto Rosa.

A dramaturgia nacional, por sua vez, desponta com espaço substancioso na temporada, com pelo menos metade das peças.

Da obra de Nelson Rodrigues (1912-80), a diretora Cristiane Urbinatti optou por "A Serpente", no Teatro de Arena Eugênio Kusnet. O autor pernambucano, que passou boa parte da vida no Rio, é apontado como precursor da fase moderna do teatro brasileiro, inaugurada em 1943 com "Vestido de Noiva", histórica encenação do polonês Ziembinski.

Outros nomes projetados na segunda metade do século 20 são os paulistas Jorge Andrade (1922-84), de "Vereda da Salvação", com a cia. Teatro Kaus, dirigida por Reginaldo Nascimento, no espaço Galpão Cinco; e Plínio Marcos (1935-99), com "Querô - Uma Reportagem Maldita", levada por Fransérgio Araújo também no Arena. Esses autores de um passado remoto ou próximo se refletem na escrita teatral em voga.

"Acho interessante essa combinação de tradição e ruptura", diz o paulista Luis Alberto de Abreu, 52, que escreve há 11 anos para o repertório da Fraternal Cia. de Arte e Malas-Artes.

Em seus textos mais recentes, como "Borandá" e "O Auto da Paixão", dirigidos por Ednaldo Freire, Abreu bebe em antigas estruturas narrativas do teatro, como o nô (drama lírico japonês do século 17), sem perder o que ele chama de viés contemporâneo. "No fundo, toda a história universal do teatro, sua forma, nos serve como material de trabalho."

O diretor Sérgio Ferrara, 36, quer reafirmar em seu "O Mercador de Veneza" uma sintonia fina de Shakespeare com os nossos dias. "O mundo está profundamente intolerante, e nada melhor do que uma peça que trata do estigma entre cristãos e judeus, estigma que se arrasta há séculos. É uma peça também sobre a busca da felicidade", diz Ferrara.

O ator, poeta e dramaturgo Gero Camilo, que voltou ao cartaz com "Aldeotas", se diz pouco empolgado com relação aos clássicos levados à cena exatamente como clássicos. Ele explica: "Perdem a total relação visceral que o teatro tem que ter com o homem contemporâneo", diz. "Geralmente, são produções muito formais e mercadológicas, com a pompa da grande obra de arte que, no teatro, só o será pelo espetáculo que conta, e não somente pelo texto."
 

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