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22/05/2004 - 09h00

Stephen Kovacevich se apresenta na Sala São Paulo

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ARTHUR NESTROVSKI
Articulista da Folha de S.Paulo

Nelson Freire na segunda e Stephen Kovacevich na quinta: a árvore do acaso às vezes dá frutos assim. Os dois não têm quase nada em comum (exceto Martha Argerich, de quem o primeiro é amigo desde sempre e o outro foi marido). Mas ambos levam a arte de tocar piano ao limite, até aquele ponto onde teclas, dedos, cordas, tampos, sinapses, pedais e coronárias se misturam na razão clara e definitiva das emoções da música.

Acompanhado pela Sinfônica Municipal, regida por Ira Levin, super Nelson tocou um super Schumann (1810-56), o "Concerto" em lá menor. Será que, além dele, ainda existe alguém que toque assim? Não é fácil detalhar o mistério, que se multiplica em mil intenções, minuciosamente talhadas em acordes e frases. Minúcias que vão de um extremo a outro da gama: ataques cortantes em fortíssimo, arabescos sonhadores desaparecendo no vazio.

Faz alguns anos que Nelson Freire habita esse outro mundo, onde conversa com os mais finos espíritos do piano, de Guiomar Novaes a Claudio Arrau, de Ignaz Friedman a Artur Rubinstein. Quando ele faz uma frase cantar, é essa arte antiga que nasce de novo, cada vez com maior verdade.

Não é mole para a orquestra seguir essas proezas; e nesse sentido o que se pode dizer é que a sinfônica, se não aumentou, também não diminuiu o milagre. Tocou ao lado de Nelson Freire; quer dizer, ficou de lado, para não perturbar o monólogo do poeta.

Já com Brahms o bicho obrigatoriamente pega, e a Osesp foi convocada a fazer muito mais, acompanhando Stephen Kovacevich no "Concerto nº 1". E não só num movimento monumental como o "Maestoso", mas também --especial e assombrosamente-- no "Adagio", em que o silêncio parece soar do lado de cá. Que felicidade ouvir esse naipe de cordas. O maestro Neschling podia beijar os violinos, que assumiam, com ele, toda a carga da música.

Brahms faz sua parte: as harmonias mais lindas que existem, e melodias se desfazendo e construindo com simplicidade mais que perfeita. Depois das dificuldades tremendas do primeiro movimento, que Kovacevich tocou não como se não existissem, mas, muito pelo contrário, reconhecendo e valorizando sua dignidade, essas lindezas intimistas soavam ainda mais íntimas e ainda mais bonitas.

Era Stendhal quem falava da beleza como "promessa de felicidade". Brahms tende mais para as promessas de infelicidade, mas, interpretado por um músico com tamanho domínio, sua melancolia parece guardar uma reserva de sol (que depois explode). Dizer que Kovacevich tocou com engajamento, nesse caso, é dizer que tocou com sabedoria, sem perder um instante a intensidade, nem o distanciamento.

Para fechar a noite, a "Terceira" de Mendelssohn (1809-47), a "Escocesa". Boa ocasião para os sopros se redimirem de algumas surpreendentes quedas de conjunto no Brahms. Nos últimos dois movimentos, por outro lado, o resto da orquestra já não dava tudo o que podia; mas a essa altura ninguém precisava tanto, porque a vida estava ganha e as estrelas balançavam como frutas, na árvore gelada do céu.

STEPHEN KOVACEVICH
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nº, Campos Elíseos, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30 (com Osesp); amanhã, às 17h (com solistas da Osesp)
Quanto: de R$ 22 a R$ 70
 

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