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26/05/2004 - 05h36

Caetano Veloso mostra seu avesso em São Paulo

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LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo, do Rio

Dias antes do Oscar 2003 --e pouco depois de George W. Bush ordenar a invasão do Iraque--, o ator Gael García Bernal ("Diários de Motocicleta") deixou revoltado o salão de uma festa em que se cantava de pé "God Bless America". Caetano Veloso não saiu, explicando depois ao amigo mexicano: "Eu fiquei de pé por causa de Irving Berlin [autor da canção patriótica]".

Contada por Caetano, a história ilustra o espírito de "A Foreign Sound" --o CD e também o show, que faz temporada no Tom Brasil - Nações Unidas de amanhã a 6 de junho. Afeito a avessos, o cantor usa a mesma língua inglesa dos discursos de Bush para mostrar, por meio da música popular, o que mereceria ser louvado na sociedade americana.

"Eu sempre trabalhei dessa maneira", diz Caetano, 61, remetendo ao tropicalismo para se queixar de comentários sobre o disco. "Você pode estar há 30 anos fazendo um negócio que implica determinadas conseqüências intelectuais, mas as forças de inércia puxam. Por exemplo, a imagem de que é um disco adocicado de músicas estabelecidas é mais forte do que qualquer coisa que você faça. Então é preciso recomeçar a briga do zero."

Segundo disse o próprio Caetano, em 16 de abril, durante o show que fez no Carnegie Hall, em Nova York, "talvez seja mais difícil [nesse disco] ler as muitas camadas de comentários e observações nas músicas". Ele apenas estabelece algumas balizas.

"Se ["A Foreign Sound'] estiver, esteticamente, no extremo oposto do filme "Dogville" [do cineasta dinamarquês Lars von Trier, com Nicole Kidman], eu fico orgulhoso", contrapõe. "É um filme horrível em todos os sentidos. Malfeito, oportunista, feio e errado. Pretende dizer que é um estado de ânimo contra o domínio americano. Se o meu disco for um estado de ânimo oposto àquele, eu fico orgulhoso."

Ele seria, em algum sentido, a favor do domínio americano?

"Olha, se for daquele jeito, eu prefiro ser a favor", responde. "Não teria nenhum problema, se fosse o caso. Não me sinto submetido ao domínio americano. Claro que objetivamente estou, como todos estamos. Mas, internamente, não me sinto."

Conceito

Todas as músicas brasileiras que estão no show têm nítida relação com o conceito do CD, a começar pela nova "Diferentemente", em que diz: "Diferentemente de Osama [Bin Laden] e Condoleezza [Rice], eu não acredito em Deus".

Também é o caso de "Não Tem Tradução" (Noel Rosa), que já abria o show no Carnegie Hall. Ou do bloco formado por "Adeus, Batucada" (Sinval Silva) e "Brasil Pandeiro" (Assis Valente): Carmen Miranda se despediu do país fazendo sucesso com a primeira e, estrela nos EUA, não quis gravar a segunda. De Caetano Veloso, "O Estrangeiro" e "Manhatã" estão na lista.

Em relação às americanas, ele afirma não fazer distinção entre clássicos como "Sophisticated Lady" (Duke Ellington) e "So in Love" (Cole Porter) e canções pop como "Diana" (Paul Anka) e "Come as You Are" (Kurt Cobain). "Todas têm uma função conceitual e todas são bonitas. Cada uma na sua dimensão. A beleza não é dissociada da função conceitual e do potencial de comentário que a canção e a escolha da canção têm."

Nos últimos ensaios, ele tem procurado tirar algumas canções do repertório, apesar das queixas de seus músicos --Jacques Morelenbaum (cello e direção musical), Lula Galvão (violão), Pedro Sá (guitarra), Jorge Helder (contrabaixo), Léo Reis (percussão) e Carlos Bala (bateria), além de uma orquestra de 21 pessoas. Sua intenção é não fazer um show de duas horas, como foi o do Carnegie Hall, em que falou bastante com a platéia.

"O disco já tem esse problema. É comprido, insuportavelmente longo, chato. Ninguém ouve inteiro", faz charme.

"God Bless America" não está no repertório. Mas, durante a entrevista, Caetano Veloso se lembrou de como seu pai gostava de "Deus Salve a América", a versão nacional da música de Berlin, e cantou um trecho grande. Para então, afeito aos avessos, criticar norte-americanos e, de raspão, brasileiros:

"Eu cantava isso quando criança e achava que estava se falando da América como um todo. A mesma América de Che Guevara. Depois eu descobri que não sei como chamar quem nasce nos Estados Unidos. É um país sem nome. Estados Unidos é só uma condição. O Brasil também se chamava Estados Unidos do Brasil, e o México se chama Estados Unidos do México. Não quer dizer nada. Eles roubaram o nome do continente. É como os colonizadores ingleses, que acham que só eles valem. Aqueles outros mais escuros e os índios não valem muito. E até hoje ainda não provamos se valemos mesmo ou não. Eles estão com a bola toda", completa.

CAETANO VELOSO - A FOREIGN SOUND. Quando: de amanhã ao dia 30 de maio e do dia 3 a 6 de junho (de qui. a sáb., às 22h; e dom., às 20h). Onde: Tom Brasil - Nações Unidas (r. Bragança Paulista, 1.281, Santo Amaro, SP, tel. 0/ xx/11/ 2163-2000). Quanto: de R$ 50 a R$ 100.
 

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