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03/06/2004 - 07h35

Peça "O que Diz Molero" introduz autor antes do livro

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Eis o caso peculiar do livro que chega antes ao palco, mas ainda depende de um papel.

O português Dinis Machado, 74, jamais publicado no Brasil, diz experimentar um "renascimento" do romance que o revelou, "O que Diz Molero" (1977).

A montagem do encenador carioca Aderbal Freire-Filho, 63, foi premiada no Rio (melhor diretor e ator, Orã Figueiredo, segundo o Shell 2003) e estréia hoje no teatro Sesc Anchieta, em São Paulo. O livro foi recém-traduzido na França (já chegou a outros países da Europa) e, após 27 anos, deve finalmente ganhar edição brasileira em julho, pela José Olympio.

"O único leitor certo que tinha aí no Brasil era o Aderbal", brinca o autor ao telefone. Convidado a assistir ao espetáculo, o Machado dos portugueses alegou problemas de saúde, herança dos 60 anos do tabaco que lhe "arrebentou os pulmões".

Seu último romance é "Reduto Quase Final" (1989), "um ajuste de contas com a literatura". Nele, a escrita praticamente torna-se personagem na "tentativa de fixar um número de memórias particularmente expressivas em mim".

Esse lisboeta escreveu durante 20 anos para jornal. "Estava a fazer aquilo que chamo de aprendizagem da minha própria escrita. Pode parecer estranho, mas era uma espécie de autocurso."

Cobriu esportes, fez crítica de cinema, mas tomou gosto por romances policiais. Em 1968, lançou três de uma só vez, sob o pseudônimo Dennis McShade: "Mão Direita do Diabo", "Réquiem para D. Quixote" e "Mulher e Arma com Guitarra Espanhola".

Já o temporão "O que Diz Molero" veio à luz nove anos depois, quando Machado surpreendeu com o fluxo desenfreado de episódios sobre a vida de, simplesmente, Rapaz (Chico Díaz).

Em exercício ficcional que funde comédia, tragédia, poesia e outros estados alterados da literatura, dois misteriosos investigadores, Austin (Cláudio Mendes) e Mister DeLuxe (Gillray Coutinho), fazem a reconstituição apoiando-se em relatório de um terceiro agente, Molero (oculto).

Trata-se de longo passeio pela Lisboa dos anos 30, com pinceladas autobiográficas, pêndulo de usufruto e desvãos da existência. As relações do personagem levam ao amor, à solidão, ao sofrimento, à procura, à espera, ao humor, ao cinema, à poesia etc.

Ele cruza tipos como "la petit Mireille", candidata ao elenco da Comédie Française; Leduc, o ginasta que treinou a vida inteira para fazer um "cristo" perfeito e acaba numa cadeira de rodas; a turma dos adolescentes azougados: Zuca, Descoiso, Peida Gadocha, Tozé Gaguinhas, Bertinho Ranhoso; enfim, segue por aí a centena de citações que atravessam cerca de quatro horas de espetáculo, com dois intervalos de dez minutos cada um.

A jornada desse anti-herói é afetiva e geográfica. "Como uma meia 'Volta ao Mundo em 80 Dias', do Julio Verne", ilustra Machado, dono de imaginário afeito ao realismo fantástico latino-americano (seu penúltimo romance, "O Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Márquez", de 1984, entrelaça um cantor popular da infância e o escritor colombiano), mas com pés fincados no continente europeu e tampouco filiado a uma escola.

Para Freire-Filho, "O que Diz Molero" é um romance-em-cena, "gênero" que cunhou pela primeira vez em "A Mulher Carioca aos 22 Anos", de 14 anos atrás, com o grupo Centro de Demolição e Construção Espetáculo, quando levou ao palco a desconhecida obra homônima de João de Minas, pseudônimo do jornalista Ariosto Palombo.

"Não teria feito o novo espetáculo se não existisse o outro", resume o encenador. A idéia é colocar o romance no palco sem adaptação direta, na qual o intérprete fala na primeira e terceira pessoas, interpondo ação e narração.

"Não renuncio à cena, ao contrário, compartilho infinitas possibilidades com o público", diz Freire-Filho. Espera que o espectador tenha acesso à chave do quadro de ilusão e que o ator se aproprie do distanciamento com "sua fantasia consciente".

A cenografia é do também português José Manuel Castanheira.

O QUE DIZ MOLERO
De:
Dinis Machado
Direção: Aderbal Freire-Filho
Com: Augusto Madeira, Raquel Iantas e outros
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quando: estréia hoje, para convidados; a temporada abre amanhã; sex., às 21h; sáb., às 20h; dom., às 19h
Quanto: R$ 20 (até 1º/8)
Patrocinador: BrasilTelecom
 

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