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07/06/2004 - 10h49

Filme trata dos sonhos e do desencanto de namorar um traficante

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ANA PAULA CONDE
Free-lance para a da Folha de S.Paulo, do Rio

"É assim mesmo!", grita Márcia*, 19, ao ver a cena de endolação (processo de embalar droga) do curta-metragem "Mina de Fé", da roteirista e diretora Luciana Bezerra, 30. Ela conhece bem a história de amor que vê na tela. Aos 13, se apaixonou e ficou grávida de um gerente do tráfico da favela Vila Vintém, em Padre Miguel (zona oeste), desaparecido há quatro anos. "Sofri muito. Querer ser mulher de bandido é uma ilusão", diz.

Bezerra integra o Núcleo de Cinema Nós do Morro, criado há 18 anos na favela do Vidigal (zona sul), onde cresceu. "Essa história estava me incomodando. Tinha que contá-la. É importante mostrar a realidade. O cinema tem o poder de fazer as pessoas pensarem", diz Bezerra, que realizou o filme com verba de um concurso de roteiros da Rio Filme.

A história de Márcia é apenas uma entre as muitas de adolescentes e jovens de favelas que se envolvem com rapazes ligados ao tráfico. "Namorar um chefe ou gerente local pode garantir respeito e status", diz a mestre em antropologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Bárbara Copque.

"Queria ser respeitada na favela, poder andar arrumadinha nos bailes e ter dinheiro no bolso", conta. "Muitas minas vêem um cordão de ouro, um fuzil, e se perdem. Nem importa se o cara é feio", diz Roberta, 24, moradora do morro da Mineira, no Estácio (zona central).

Nem sempre o envolvimento amoroso começa a partir do poder do dinheiro e das armas. É comum que os rapazes se liguem ao tráfico durante um período ou que entrem para a criminalidade depois de terem exercido outras profissões. "Me envolvi com um cara que tinha várias tendinhas. Não sei o que deu na cabeça dele para virar vagabundo. Já tava com ele e continuei", conta Roberta.

Fernanda, 23, conta que conheceu seu companheiro quando tinha 17. "Depois é que ele resolveu entrar para o movimento. Tinha medo de que ele morresse e não conhecesse o filho. Quando saía tiro eu corria até a boca." Maria, 18, diz que o rapaz com quem morava nas ruas da Barra da Tijuca entrou para o tráfico quando eles foram morar na casa da mãe dela na favela Selva de Pedra, em Senador Camará (zona oeste). "Os colegas atiçaram, disseram que era bom, e ele foi trabalhar na boca. Agora está preso", conta.

Traficantes, dizem elas, nunca têm só uma mulher e é preciso aceitar as amantes. "Eles ficam com outra na nossa cara no baile. A gente tem de aceitar, eles não toleram briga", diz Roberta. "Ele batia nas mulheres que diziam ter saído com ele e que ia me matar se eu o largasse. Morria de medo. Que mulher não teria?", diz Márcia, que hoje cria três filhos numa favela da Pavuna (zona oeste).

Maria conta que precisavam enfrentar o ciúme dos companheiros. "Meu namorado não deixava eu ir aos bailes e aos pagodes. Tinha ciúme e me batia; me batia não, me espancava", lembra ela, que vive com medo das ameaças do rapaz.

O pai de Márcia, morto há 14 anos, foi "dono" da favela Vila Vintém. Fernanda cresceu no morro do Sapê, em Vaz Lobo (zona norte). Largou a escola no segundo ano, foi morar nas ruas e passou a usar drogas. Roberta teve o primeiro filho aos 9 anos e largou os estudos na oitava série. Maria estudou até a terceira e teve o primeiro de três filhos aos 15 anos.

O tráfico de drogas domina as favelas cariocas. O comércio de entorpecentes é comandado por três facções (Comando Vermelho, Amigos dos Amigos e Terceiro Comando), que costumam disputar o controle das bocas-de-fumo.

As garotas ouvidas nesta reportagem deram seu depoimento após a exibição de "Mina de Fé" na sede da Excola, organização não-governamental que trabalha com garotos de rua. Elas participam do projeto "Jovens Mães", coordenado pela doutoranda em medicina social pela Uerj, Luciene Naiff.

As más lembranças dos romances superam as boas e todas fazem questão de frisar que hoje namoram trabalhadores. "Botei os neurônios para funcionar e vi que nada disso tem futuro. Quero os meus filhos longe dessa vida. Não dou e não gosto que meu filho brinque com brinquedo de arma", diz Fernanda.

*Todos os nomes mencionados nesta reportagem são fictícios
 

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