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20/06/2004 - 04h15

Funkeira Tati Quebra-Barraco ganha status de diva electro em SP

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

O Rio é samba e funk, São Paulo é tecno e electro. E Tati Quebra-Barraco viajou de lá para cá para colocar em curto-circuito a separação entre os dois mundos, como demonstrou sua inusitada passagem pelo palco underground d'A Lôca, na quarta-feira.

Trazida à cidade pela marca Cavalera, a troco de passagem de avião e uma noite de hotel, Tati topou a proposta de última hora de cantar ali sobre bases atiradas pelo irmão --e sob cachê de R$ 1.000, segundo a Cavalera.

Chega às 22h30, bem antes de a boate abrir. Pede licor Amarula (havia feito o mesmo pedido à tarde, na São Paulo Fashion Week, mas só conseguiu garrafinhas de champanhe, como se fosse uma diva electro que nem sabe que é). Espera pacientemente.

O povão da moda começa a chegar a partir da meia-noite, quando um coquetel VIP se abre no andar de cima da boate. Tati permanece ali quieta, sentadinha ao lado do irmão. Uns se aproximam para conversar, tímidos. Tímida, ela responde em poucas palavras.

Na hora do show, sobe com o microfone num punho, um copo de cerveja no outro. A voz esganiçada ataca os funks. Ela está nervosa, o molejo fica só latente.

Mas o inesperado faz uma surpresa. Cada um de seus refrões pornôs é entoado em coro e de cor pelo público de amantes de moda, música eletrônica, electro e champanhe. A veia do funk carioca, que não gosta de música eletrônica, vira presa dos dentes caninos dos devotos do auto-exílio electro paulistano, que não gostam de samba pop brasileiro.

Mesmo em estado de choque cultural, os olhos de Tati crescem de emoção. Os dos espectadores, idem. Ela volta ao Rio sem entender que gente é aquela que gosta de sua música, o que aconteceu. Quem fica também não entende.

Mas, afinal, como uma "favelada, preta, pobre, polêmica" conquistou poder a ponto de atrair o fascínio do mundo "moderno" que orbita nestes dias em torno da São Paulo Fashion Week?

A idéia partiu do núcleo de criadores jovens da coligação entre o coletivo Cooperativa da Kombi e a marca Cavalera, aos quais se integram, para o desfile, os DJs Edu Corelli e Luis Depeche. O espírito que toma conta é meio "Diários de Motocicleta", meio festa junina de Lula --de todo modo politizado, em busca de identidade.

Os "sete Cavaleras" e os DJs misturam xales peruanos, bolsas em formato de porquinhos e vaquinhas de sítio, sons remixados de Menudo, lambada, Gal Costa, Luiz Caldas, Ricky Martin, Ney Matogrosso, tecno-samba e outros ícones pan-americanos.

Tati fecha a trilha do desfile, com o mote funk "não gosto de peru pequeno" e uma inédita cujo refrão quase suíno repete "óin, óin, óin". A viagem ao coração da América de baixo deságua no morro carioca, no quintal de casa.

Ao ser instado a explicar o que Tati tem a ver com SP Fashion Week, o DJ Corelli, 38, é ácido: "É porque aqui todo mundo é feio, mas acha que está na moda".

Elo de ligação entre a Cavalera e a cooperativa, Ricardo Gonzalez, 36, resiste à idéia de que haja um discurso político por trás do convite a Tati. Mas afirma: "O Brasil sempre foi visto pelo mundo como um suvenir. Ainda é, mas hoje é mais ácido, tem discurso".

"A trilha uniu as três divas da música brasileira, Gal, Bethânia e Tati. Cada época tem a diva que merece", provoca Adriano Costa, 29, um dos criadores coligados.

Mas não é tranqüila a passagem da funkeira pelo evento. Nos bastidores pré-desfile, discute-se a possibilidade de que Tati cante algo ao final. Ela reage com susto. Descobrem que o experimento causará microfonia. Desistem, mas pedem que Tati acompanhe a equipe no giro final para receber os aplausos. Ela assusta de novo.

Vendo-a em lugar de destaque na platéia, o diretor da SPFW, Paulo Borges, quer saber quem é a moça. Tati não desfila. O papel de figura de decoração é compartilhado por outro convidado da Cavalera, o roqueiro Serguei, 70, que veio do Rio no mesmo vôo. O ex-namorado de Janis Joplin aprecia a simpatia da funkeira, mas não a aceita como atualizadora anos 2000 da atitude rock'n'roll.

"Não é rock, com certeza não é mais sexo do que eu. Odeio funk carioca. Essas letras são o fim da civilização, o cúmulo da falta de respeito", crava o eterno roqueiro-rebelde-marginal.

O evento acaba, sem que a estrela conheça sombra do entusiasmo que causará mais tarde n'A Lôca. "Adorei", ela avalia --e mais não fala. Mesmo ensangüentada, Tati Quebra-Preconceito se safou de mais uma.

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