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21/06/2004 - 07h45

Elogiado livro sobre Brasil sofre acusação de plágio

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SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo

Há alguns dias, prestigiosas publicações nos EUA, na Europa e na Austrália começaram a soltar resenhas elogiosas sobre um livro com um título instigante, "A Death in Brazil" (uma morte no Brasil), escrito por um jornalista australiano, Peter Robb.

O "New York Times Review of Books", suplemento literário do jornal nova-iorquino, comparou a obra à "Divina Comédia", de Dante Alighieri; já o britânico "Guardian" entregou a resenha nas mãos de Alex Bellos, autor de um best-seller sobre futebol brasileiro; há citação no semanário "The Economist", entre outros.

Todos, sem exceção, recomendam a obra de não-ficção que narra as impressões e aventuras do autor durante suas diversas visitas ao Brasil nos últimos 20 anos, que têm a amarrá-las três fios condutores. O primeiro é a relação do brasileiro com a violência e a morte, cujo primeiro exemplo aparece já no começo do livro, com um vívido relato do assalto que Robb teria sofrido no apartamento em que vivia no Rio.

O segundo analisa a importância da obra de Machado de Assis, Euclydes da Cunha e Gilberto Freyre na formação cultural brasileira. O terceiro reconta, com a visão do estrangeiro, o governo Fernando Collor de Mello e o assassinato de seu ex-tesoureiro, Paulo César Farias, em 1996.
É aí que mora o busílis.

Segundo o jornalista brasileiro Mario Sergio Conti, autor de "Notícias do Planalto" (Companhia das Letras, 1999), quando fala do governo Fernando Collor (1989-1992) e de seu ex-tesoureiro, Paulo César Faria, o australiano plagia diversos trechos de seu livro, que trata das relações de imprensa e poder e já vendeu 80 mil exemplares.

"As comparações comprovam e recomprovam que Robb roubou, plagiou, copiou e parafraseou dezenas de frases do meu livro", dispara Conti, em entrevista por e-mail à Folha, de Paris, onde é correspondente da TV Bandeirantes e do site No Mínimo. "Será que copiaria e plagiaria um livro que tivesse sido publicado em inglês? Como "Notícias" saiu no Brasil, ele agiu como predador colonial."

Peter Robb deu duas entrevistas à Folha. Na primeira, por telefone, citou o livro de Conti como uma de suas principais fontes. Na segunda, por e-mail, o australiano afirmou: "(as acusações) São ridículas num sentido e muito sérias legalmente falando, e eu seria estúpido se fizesse qualquer comentário público sem saber exatamente do que ele me acusa".

Quanto às referências, Robb respondeu: "Claro que usei "Notícias" como uma fonte de informações factuais sobre o governo Collor. Eu inclusive o cito e recomendo no final de meu livro. Mas também li e utilizei como fonte vários dos mesmos livros que o próprio Mario Sergio Conti leu e utilizou."

Entre os livros que cita estão "Passando a Limpo", de Pedro Collor, "Todos os Sócios do Presidente", de Gustavo Krieger, Luiz Antonio Novaes e Tales Faria, "Os Fantasmas da Casa da Dinda", de Luciano Suassuna e Luis Costa Pinto, e "Morcegos Negros", de Lucas Figueiredo. Para o advogado Rodrigo Kopke Salinas, responsável pela disciplina de legislação e ética na indústria editorial do curso de editoração da Universidade de São Paulo, a lei de direito autoral brasileiro, de 1998, não traz a definição de plágio, "mas sim de contrafação (cópia), que é o uso não-autorizado de obra".

A reportagem mostrou a Salinas os trechos publicados nessa página para que ele desse uma avaliação. "A princípio, parece-me que há realmente muita coincidência entre a tradução para o inglês e o texto original", respondeu o advogado, por e-mail. "Em algumas passagens, parece que há tradução literal e, em outras, a apropriação das informações, mas com um tratamento diferente."

Se autor e editora acharem que é o caso, o próximo passo é entrar na Justiça nos países em que o livro de Robb foi publicado --até agora, EUA, Reino Unido e Austrália. Conti ainda estuda: "Podemos processar e exigir reparações, podemos pedir providências às editoras que o publicaram, podemos informar os jornais que noticiaram o lançamento."

Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, disse que a editora dará todo o amparo legal caso o brasileiro decida processar, mas que isso será uma decisão pessoal. Procurada pela Folha, a editora de Robb nos EUA, Henry Holt and Company, que lançou originalmente o livro, preferiu não se manifestar sobre o assunto.

Peter Robb mora em Sidney, na mesma Austrália em que nasceu em 1946 (em Toorak) e deu aulas. Trabalhou como jornalista e viveu um tempo em Nápoles, na Itália. Antes de "Death", escreveu "Midnight in Sicily", sobre o crime organizado na Itália, e "M", biografia do pintor Caravaggio.

Polêmicas envolvendo sua obra não são estranhas, como ele mesmo disse à Folha: "Todo livro meu recebeu ameaças de algum lugar. Minha biografia de Caravaggio teve sua credibilidade questionada pelo autor de um livro rival que defendia uma visão conservadora da vida do pintor".

Seu livro sobre o Brasil começa com a frase "Como todo mundo, eu fui para o Brasil para fugir", mas ao longo de suas 368 páginas seguintes foge do estereótipo do país como um refúgio de criminosos internacionais. Cresce quando narra situações que mostram a memória afetiva que o autor guarda do país, nas saborosas descrições gastronômicas.

Mas força a mão ao narrar os Anos Collor, que ele toma como um paradigma do país e cuja saga permeia todo o livro --a tal morte do título é o assassinato de PC Farias. "Meu livro é mais do que esse caso, mas é um caso que me fascinou e que eu acompanhei como se fosse uma telenovela", disse.

Curiosamente, os dois autores se encontraram. "Ele me procurou no Rio", lembra Conti. "Almoçamos juntos na Sexta-Feira Santa de 2001, ele elogiou meu livro, disse que pretendia escrever sobre o Collor e o Lula, pediu ajuda. Passei-lhe o telefone de ambos, recomendei livros e pessoas a conversar, falei para que me procurasse se quisesse mais ajuda. Nunca mais ouvi falar da figura."

O australiano tem outra memória do encontro. "A não ser que ele tenha mudado de idéia desde 2001, Conti acha que Susana Marcolino matou PC e se suicidou porque ele ia deixá-la. Achei essa versão perversa, simplista e grotescamente sentimental e contradita pelos fatos conhecidos."

A briga está só começando.

Especial
  • Arquivo: veja o que já foi publicado sobre "Notícias do Planalto"
  • Arquivo: veja o que já foi publicado sobre "A Death in Brazil"
  • Arquivo: veja o que já foi publicado sobre plágio de livros

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