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05/07/2004 - 17h47

Da Alvorada à doutrina, grupo reconhece teatro na vida

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IVAN DELMANTO
especial para a Folha Online

Em visita ao Palácio da Alvorada e ao Vale do Amanhecer, o Teatro da Vertigem percebeu uma busca de pessoas comuns a um reconhecimento na sociedade. O teatro da vida começa a surgir diante dos olhos dos 18 integrantes do grupo que viaja pelo interior do país. Acompanhe:

Domingo, 4/7/2004 - Pompa e periferia

Troca da Guarda

Há muitas surpresas que cercam os pavilhões do poder em Brasília. Domingo, no Palácio da Alvorada, havia uma exposição bastante singela: um soldado, vestido com o uniforme dos Dragões da Independência, era bombardeado com os olhares curiosos dos turistas.

Posicionado, completamente imóvel, sobre um pedestal, ele assistia impassível a um funcionário que, apontando para o seu uniforme, comandava o espetáculo: "essas penas não são apenas enfeite, as botas são lustradas regularmente etc".

Mais dois soldadinhos apontaram no horizonte e, em meio ao imenso jardim presidenciável, a troca da guarda foi realizada, numa impecável coreografia.

Eles não revezaram os postos de guarda, mas trocaram de lugar na jaula. A cerimônia marcou quem deveria ter a nova honra de ocupar o lugar em nova alvorada naquele zoológico.

Quando escrevo honra, não há nisso nenhuma ironia. De fato, para aqueles soldados, não importa fazer parte de mais uma cena do teatro de sombras que é a vida macaqueada num país da periferia do capitalismo.

Imitando, mesmo que pobremente, a troca da guarda da família real inglesa, numa jaula em frente ao Palácio do Presidente, eles eram, por pouco tempo, alguém.

Vale do amanhecer

Quem leu o "Coração das Trevas", de Joseph Conrad (ou assistiu a "Apocalipse Now", filme baseado no livro) sempre pensou que a adoração misteriosa dos selvagens pelo genocida capitão Kurtz fosse algo distante, característico de sociedades nada civilizadas. Sinto decepcionar quem por muito tempo sustentou-se sob esta certeza.

Para quem ainda não me entendeu, basta visitar o Vale do Amanhecer, nas imediações de Brasília.

O quadro é impressionante: entra-se em uma verdadeira cidade, formada quase que exclusivamente pelos membros da "doutrina". Esta doutrina é composta por ensinamentos bastante ecléticos, vindos da guia espiritual Tia Neiva, fundadora do Vale.

Há uma mistura de crenças e religiões que só pode ser descrita com um trecho de um dos ritos que assistimos: "Rei de Esparta, unificaste o Reino de Apolo em Cristo Jesus. Unimos as nossas forças. Rufam os tambores".

O perfil de alguém capaz de seguir tamanho absurdo só pode ser o de um fanático, pode se pensar. Mas não havia ali nenhum fanático. As pessoas pareciam anestesiadas, enquanto assistiam aos cultos e curas espirituais.

Andavam como sonâmbulos e pareciam mais interessadas em nossa presença, esquisita, é verdade, do que nas cerimônias. Para mim, foi justamente esta apatia que foi assustadora. Apatia cercada por uma indumentária colorida e muito caprichada, apesar de humilde, constituindo uniforme obrigatório dos fiéis.

É tudo uma grande ilusão, que está marcada pelo fetiche da mercadoria: a busca desesperada por ser alguém, quando não pode ser realizada no reino miraculoso do consumo, só pode realizar-se no Reino dos Céus, à direita do Desespero.

As roupas, como no caso do soldado no Palácio da Alvorada, funcionam como pompa e fuga da realidade, como maneira de ser, mesmo que por alguns instantes, alguém.

Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil

Especial
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