Publicidade
Publicidade
03/07/2004
-
16h28
IVAN DELMANTO
especial para a Folha Online
Em suas primeiras impressões sobre Brasília, o grupo Teatro da Vertigem encontra o vazio da cidade em meio à arquitetura e ao planejamento de Oscar Niemeyer e Lucio Costa:
2/7/2004: A catedral e a pedra
Lucio Costa idealizou um grande lago no plano piloto de Brasília: construiu o grande lago. Oscar Niemeyer pensou que uma enorme pedra branca poderia formar um belo conjunto na paisagem de sua catedral: construiu a pedra branca. Ambos sonhavam com um país novo: construíram uma cidade.
Esse absolutismo da arquitetura, quando se pensa anterior ao mundo dos homens, criou a cidade dos vazios. Mas esse vazio não foi apenas um projeto de Lucio e de Oscar: este já era um projeto antigo da elite brasileira, que pensava ser necessário, para possuir o país e expandir seu mercado interno, colonizar o seu interior.
Brasília não surgiu apenas de duas pranchetas.
Praça Duque de Caxias
A monumental homenagem ao Exército, com seu imenso pórtico curvo montando guarda ao funesto obelisco, chama menos atenção do que o soldado solitário que a protege.
A arquitetura de Brasília é o vazio montando guarda, fazendo da figura humana um rabisco sem sentido.
Por todos os lugares encontram-se reproduções dos croquis de Niemeyer: restaurantes, museus, no telão do Congresso Nacional. Aqui, a figura humana equivale a um rabisco do grande mestre.
A crítica não deve incidir sobre a qualidade plástica das obras, por vezes duvidosa de tão opressora. Niemeyer foi visionário por antecipar, como arquiteto inserido no modernismo periférico, a sociedade do espetacular, em que todas as esferas da vida estão submetidas ao fascínio da mercadoria.
Habitar, caminhar e trabalhar deixam de ser atividades da esfera privada, tornam-se fiapos no cenário do teatro de sombras da cidade construída numa utopia de concreto. A capital federal acabou cercada pelo arame farpado das vitrines curvas.
Brasília é a morte do flaneur. É a cidade do automóvel. Não há calçadas, não há esquinas. Aqui, a luz é mais luz. O céu é feito de mais céu, de densidades azuis. Mas o sonho das superquadras, das árvores importadas, da vida planejada em compartimentos e regiões corretas dissolve-se no espetáculo dos caminhos vazios em que o cidadão deixa de caminhar.
Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil
Especial
Acompanhe o diário de viagem do Teatro da Vertigem
Arquivo: saiba o que já foi publicado sobre o Teatro da Vertigem
A arquitetura, o planejamento e o vazio de Brasília
Publicidade
especial para a Folha Online
Em suas primeiras impressões sobre Brasília, o grupo Teatro da Vertigem encontra o vazio da cidade em meio à arquitetura e ao planejamento de Oscar Niemeyer e Lucio Costa:
2/7/2004: A catedral e a pedra
Lucio Costa idealizou um grande lago no plano piloto de Brasília: construiu o grande lago. Oscar Niemeyer pensou que uma enorme pedra branca poderia formar um belo conjunto na paisagem de sua catedral: construiu a pedra branca. Ambos sonhavam com um país novo: construíram uma cidade.
Esse absolutismo da arquitetura, quando se pensa anterior ao mundo dos homens, criou a cidade dos vazios. Mas esse vazio não foi apenas um projeto de Lucio e de Oscar: este já era um projeto antigo da elite brasileira, que pensava ser necessário, para possuir o país e expandir seu mercado interno, colonizar o seu interior.
Brasília não surgiu apenas de duas pranchetas.
Praça Duque de Caxias
A monumental homenagem ao Exército, com seu imenso pórtico curvo montando guarda ao funesto obelisco, chama menos atenção do que o soldado solitário que a protege.
A arquitetura de Brasília é o vazio montando guarda, fazendo da figura humana um rabisco sem sentido.
Por todos os lugares encontram-se reproduções dos croquis de Niemeyer: restaurantes, museus, no telão do Congresso Nacional. Aqui, a figura humana equivale a um rabisco do grande mestre.
A crítica não deve incidir sobre a qualidade plástica das obras, por vezes duvidosa de tão opressora. Niemeyer foi visionário por antecipar, como arquiteto inserido no modernismo periférico, a sociedade do espetacular, em que todas as esferas da vida estão submetidas ao fascínio da mercadoria.
Habitar, caminhar e trabalhar deixam de ser atividades da esfera privada, tornam-se fiapos no cenário do teatro de sombras da cidade construída numa utopia de concreto. A capital federal acabou cercada pelo arame farpado das vitrines curvas.
Brasília é a morte do flaneur. É a cidade do automóvel. Não há calçadas, não há esquinas. Aqui, a luz é mais luz. O céu é feito de mais céu, de densidades azuis. Mas o sonho das superquadras, das árvores importadas, da vida planejada em compartimentos e regiões corretas dissolve-se no espetáculo dos caminhos vazios em que o cidadão deixa de caminhar.
Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil
Especial
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Alice Braga produzirá nova série brasileira original da Netflix
- Sem renovar contrato, Fox retira canais da operadora Sky
- Filósofo e crítico literário Tzvetan Todorov morre, aos 77, em Paris
- Quadrinhos
- 'A Richard's estava perdendo sua cara', diz Ricardo Ferreira, de volta à marca
+ Comentadas
- Além de Gaga, Rock in Rio confirma Ivete, Fergie e 5 Seconds of Summer
- Retrospectiva celebra os cem anos da mostra mais radical de Anita Malfatti
+ EnviadasÍndice