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08/07/2004
-
08h23
MARCOS FLAMÍNIO PERES
Editor-adjunto do Mais!
Infectado pelo vírus da Aids e moribundo em um hospital em Dublin, Declan deseja passar alguns dias na casa em que mora a avó, à beira-mar, e aí voltar a reunir sua família, destroçada há mais de 20 anos pela morte do pai, vítima de câncer.
Declan e dois amigos fiéis dão início no espaço exíguo da casa a um processo de purgação físico e simbólico, em que vida e morte se tornarão dependentes.
Tendo como pano de fundo o marulhar das ondas, "A Luz do Farol", de Colm Tóibín, busca mimetizar seu movimento de fluxo e refluxo. Um movimento de destruição, em que o corpo exausto de Declan é descrito por meio da irrupção de vômitos, da ferida em seu nariz alastrando-se inclemente por uma das faces, da sonda que lhe perfura as entranhas.
Mas será o próprio movimento de destruição do indivíduo que irá engendrar seu oposto, o da regeneração coletiva das relações familiares estremecidas. Por meio desses dois ritmos antitéticos, mas complementares, a doença avança sobre o corpo entregue e o desagrega, criando as condições para que as relações hostis entre mãe e filha iniciem um doloroso processo de reabilitação. A incomunicabilidade entre elas vai cedendo vez à compreensão, enquanto o corpo do filho míngua de forma patética em direção à incomunicabilidade.
Passado num país de tradição católica, o livro deixa ecoar, em registro mais íntimo, uma releitura da Paixão de Cristo, na qual o corpo é simultaneamente o lugar de sofrimento e redenção. Mas trata-se de uma releitura moderna, na qual a homossexualidade de Declan, que a mãe insiste em ignorar, se revela o exemplo mais bem-acabado da incapacidade em compreender o outro.
É justamente a figura da mãe que paradoxalmente liga esta obra a "Passeio ao Farol", de Virginia Woolf. Sua figura mantém coeso o frágil círculo de afetos e frustrações familiares (como faz Woolf) ou que o desagrega (como faz Tóibín).
Avesso a qualquer discurso empenhado e sem a pretensão de avançar os limites do gênero, este é um romance de construção equilibrada, que aborda com mão delicada questões polêmicas sem cair na militância.
Avaliação:
A Luz do Farol
Autor: Colm Tóibín
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (280 págs.)
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Declan e dois amigos fiéis dão início no espaço exíguo da casa a um processo de purgação físico e simbólico, em que vida e morte se tornarão dependentes.
Tendo como pano de fundo o marulhar das ondas, "A Luz do Farol", de Colm Tóibín, busca mimetizar seu movimento de fluxo e refluxo. Um movimento de destruição, em que o corpo exausto de Declan é descrito por meio da irrupção de vômitos, da ferida em seu nariz alastrando-se inclemente por uma das faces, da sonda que lhe perfura as entranhas.
Mas será o próprio movimento de destruição do indivíduo que irá engendrar seu oposto, o da regeneração coletiva das relações familiares estremecidas. Por meio desses dois ritmos antitéticos, mas complementares, a doença avança sobre o corpo entregue e o desagrega, criando as condições para que as relações hostis entre mãe e filha iniciem um doloroso processo de reabilitação. A incomunicabilidade entre elas vai cedendo vez à compreensão, enquanto o corpo do filho míngua de forma patética em direção à incomunicabilidade.
Passado num país de tradição católica, o livro deixa ecoar, em registro mais íntimo, uma releitura da Paixão de Cristo, na qual o corpo é simultaneamente o lugar de sofrimento e redenção. Mas trata-se de uma releitura moderna, na qual a homossexualidade de Declan, que a mãe insiste em ignorar, se revela o exemplo mais bem-acabado da incapacidade em compreender o outro.
É justamente a figura da mãe que paradoxalmente liga esta obra a "Passeio ao Farol", de Virginia Woolf. Sua figura mantém coeso o frágil círculo de afetos e frustrações familiares (como faz Woolf) ou que o desagrega (como faz Tóibín).
Avesso a qualquer discurso empenhado e sem a pretensão de avançar os limites do gênero, este é um romance de construção equilibrada, que aborda com mão delicada questões polêmicas sem cair na militância.
Avaliação:
A Luz do Farol
Autor: Colm Tóibín
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (280 págs.)
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