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23/07/2004 - 23h34

Teatro da Vertigem faz nova expedição ao Santo Daime

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IVAN DELMANTO
especial para a Folha Online

Depois de visitar uma comunidade do Santo Daime em Porto Velho (Rondônia), o Teatro da Vertigem conheceu o grupo original do Daime, em Alto Santo, localizado nas proximidades de Rio Branco. Acompanhe:

Sábado, 17/7/2004: Os encantos da floresta

A floresta foi amansada e transformada em linguagem e representação, para que o Daime fosse recebido. O Santo Daime busca a harmonia entre a floresta, seus frutos e divindades, e Cristo. Todo o cenário procura recriar a simetria viva da floresta.

Em Alto Santo, localizado nas proximidades de Rio Branco, visitamos a comunidade original do Daime, que segue com ortodoxia os preceitos de seu fundador, Irineu Serra. Depois da morte do líder, houve uma acirrada disputa por poder, dando origem a diversas linhas que se autodenominam Daime, talvez tendo em comum apenas o ritual com a erva ayhuasca (mas mesmo a bebida é preparada de formas distintas pelas diversas facções).

Em Alto Santo há uma grande chácara, com bois e carambolas habitando a grama verde, onde mora a atual liderança da comunidade, Dona Peregrina, ex-mulher de Irineu. Mulher de palavras mínimas, ao responder nossa dúvidas, desenhou uma religião menos sincrética do que o Daime que encontramos em Porto Velho, crença que se atêm aos princípios e símbolos do cristianismo. Vimos, principalmente, uma religião que não quer expandir-se e irrita-se diante do contato com a mídia e com a propaganda. Percebe-se, por meio da conversa de seus assessores, uma estrutura hierárquica rígida, com uma subterrânea e mal disfarçada luta por posições.

Nas imediações da sede, há o túmulo do "mestre" Irineu e um museu com fotos dos pioneiros da religião. Nos tetos dos dois memoriais, a busca de ascese é uma imagem precisa do que encontramos: feitos com papel azul e branco, como franjas penduradas no céu, centenas e centenas de babados formando letras e desenhos, como se houvesse uma vontade de falar com o que há de divino com a própria língua, simplicidade, busca paz.

Ao entrar no templo, há uma beleza arrebatadora. Mas não é a beleza do monumental, que oprime o indivíduo, deixando-o inerte diante dos mistérios e da opulência de Deus; é a beleza das árvores, do templo sem paredes, em que todos os olhos encontram árvores, onde quer que repousem.

Os encantados da floresta

O ritual começa com todos rezando um terço, que teve o Pai-Nosso e a Ave-Maria modificados. Em vez do "venha a nós o vosso reino", por exemplo, diz-se "vamos nós ao vosso reino". Beber o daime é atividade até Deus, não espera. Após o terço, toma-se a ayhuasca. Enquanto dura o ritual, pode se repetir a dose.

A liturgia do Daime é inteira composta por hinários. O ritual consiste no canto destes hinos (que são ditados aos fiéis por entidades divinas) enquanto todos dançam "o bailado". Em fileiras que formam um quadrilátero ao redor de uma espécie de altar, todos executam passos bem simples, enquanto cantam e marcam o ritmo com um chocalho.

Seria a alucinação uma forma de transcendência? Os fiéis têm miragens a partir de ícones cristãos ou recebem mensagens sobre os destinos de suas vidas. Tudo parece orquestrado para potencializar o alucinógeno: a dança em ritmo circular, as letras e melodias repetitivas dos hinos, a grande coletividade louvando simultaneamente. Extingui-se a noção de indivíduo.

O Daime é a oportunidade de viver longe da contradição. A droga e o ritual formam o sistema da alucinação e este pacificador parece ser a encantaria que une velhos e crianças naquele lugar de tantas árvores. Sem a contradição não há movimento, apenas infinitas danças e beberagens circulares, em que o hábito verde do desespero é raiz e tronco, galhos e folhas, horizontes.

Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil

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