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24/07/2004 - 01h45

Grupo de teatro conhece reserva extrativista Chico Mendes

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IVAN DELMANTO
especial para a Folha Online

Após visitar uma reserva extrativista no Acre, o grupo de teatro questiona o que existe de sustentável nas terras antes ocupadas pelos seringueiros: a floresta ou o faroeste do lucro fácil? Leia:

Terça-feira, 20/7/2004 e quarta-feira, 21/7/2004: Reserva Extrativista Chico Mendes - Seringal Dois Irmãos

Com a morte de Chico Mendes, um enorme fluxo de mocinhos internacionais, com boas ou impublicáveis intenções, povoou o Acre. Organismos internacionais, comovidos diante do massacre da floresta (exposto pelo assassinato do líder sindical) ou emocionados diante da possibilidade de lavar seus milhões de dólares, formularam infinitos projetos de desenvolvimento sustentável. Já formulamos em um destes textos o casamento conflituoso, mas eterno, entre desenvolvimento e barbárie, quando celebrado nestas era de capital globalizado. Para aqueles interessados no assunto, conversemos um pouco mais, para verificar se o que existe de sustentável por estas bandas é a floresta ou o faroeste do lucro fácil.

A Reserva Extrativista Chico Mendes é realização de décadas de sangrentas lutas sindicais dos seringueiros, que buscaram, com a queda do ouro negro da borracha, impedir a transformação dos seringais em pasto puro. Este conflito com os latifundiários vitimou Chico Mendes e centenas de outros militantes, até que a Constituição de 88 veio transformar as terras antes ocupadas pelos seringueiros em reservas, em um específico processo de reforma agrária. Grande parte dos seringueiros hoje não sofre mais a exploração direta dos patrões (suas vidas mudaram de dono, veremos a seguir), e está situada em áreas de reserva, onde há leis que restringem a utilização da terra, buscando racionalizá-la.

Desde o holocausto, alguns filósofos espíritos-de-porco já questionaram o conceito de razão ocidental, surgido com o Iluminismo e consolidado nas seguidas revoluções industriais. O desenvolvimento sustentável, ou a utilização racional da floresta, é exemplo típico de que a razão serve a quem paga mais.

A iniciativa começa bem, aparentemente. Busca-se oferecer ao seringueiro capacitação para que ele possa diversificar sua renda, por meio de variados produtos da floresta: madeira, açaí, gado, castanha, artesanato em couro vegetal (os leitores mais atentos já observaram que o gado não é um produto da floresta, mas por aqui poucas pessoas notaram essa incompatibilidade).

No seringal Dois Irmãos, o discurso oficial do famigerado Governo da Floresta é repetido por todos, alunos nota dez em decoreba. O problema é que as propostas não convencem ninguém: independentemente da diversificação das atividades, o seringueiro continua miserável, vendendo os produtos a um preço irrisório para os grandes comerciantes das capitais ou para empresas multinacionais, estes sim favorecidos pela extração executada por mão-de-obra barata e desarticulada.

O manejo florestal, método me-engana-que-eu-gosto de extrair madeira, procura nos convencer de que a retirada de árvores centenárias, mesmo que se efetuada em intervalos de tempo maiores, será reposta pela floresta. Como repor árvores de 500 anos, retiradas a cada trinta anos? E as centenas de madeireiras ilegais, por que não são fiscalizadas? Ao contrário, uma estrada para o Pacífico é construída, com apoio de empresas japonesas, interessadas em facilitar a exploração da madeira. Crescem, nos diversos seringais, as áreas desmatadas para a criação do gado, atividade mais lucrativa para o seringueiro, mas que exige grandes extensões de terra desmatada. Este projeto de desenvolvimento é insustentável.

É claro que os argumentos das populações da floresta são irrefutáveis: eles simplesmente precisam trabalhar para sobreviver. Mas há profundezas: estas populações apenas sobrevivem porque é impossível que pequenas propriedades, baseadas em uma rudimentar economia extrativista, possam competir ou negociar com as grandes empresas que formatam os produtos finais ou com os grandes comerciantes internacionais. O que se vive aqui não é culpa do atual governo, como pensa a esquerda burra, é mais um triste exemplo do capitalismo predatório subdesenvolvendo um país periférico, paraíso da exploração da mão-de-obra doente, sofrida e perdida, como baratas em caixotes de vidro verde.

Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil

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