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27/07/2004 - 21h21

Teatro da Vertigem se "aproxima" da realidade de Brasiléia

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IVAN DELMANTO
especial para a Folha Online

Em viagem de descobrimento pelo interior do Brasil, o Teatro da Vertigem "investiga" Brasiléia, no Acre, cidade fronteiriça que antes da fundação da capital federal se chamava Brasília. Para o grupo, o que hoje define a cidade é sua condição de fronteira. Leia:

Sábado, 24/7/2004: Brasiléia - aproximações

Brasiléia se chamava Brasília. Com a fundação da nova capital, a pequena cidade acreana teve de ser rebatizada, mantendo-se o radical "Brasil", agora com o acréscimo do sufixo "iléia", que quer dizer floresta, mato. Hoje, como boa parte do Acre, a floresta não define mais esta paisagem. Para desvendar Brasiléia, é preciso buscar seus segredos longe da abundância do verde, dentro da fronteira. O que define Brasiléia é sua condição de fronteira.

Brasiléia foi fundada para ser mais uma das cidades da borracha. Hoje, as ruas arborizadas com palmeiras e asfaltadas revelam, se soubermos percorrê-las no interior do tempo, até onde o caroço do espaço revela todas as vidas, a decadência de uma economia edificada sobre o ouro negro do látex.

Caminhando na rua principal há, no caroço do espaço, algumas casas tortas, prestes a desabar sobre o rio. Fenômeno muito visto por aqui, as casas do abismo são as imagens da pecuarização das terras, quando a derrubada da vegetação leva aos desabamentos, graças ao assoreamento do rio.

Esta instabilidade, a posição de equilíbrio precário, é imagem da vida de fronteira. Brasiléia é um grande corredor. Corredor de etnias e culturas, corredor do crime, corredor do consumo, corredor do contrabando, corredor da resistência política.

Corredor de resistência

Encontro com o líder seringueiro Osmarino. Antigo militante, participou dos primeiros empates, foi fundador do Conselho Nacional dos Seringueiros e do PT. Conversamos às vésperas da eleição para presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, e Osmarino parecia tenso com sua candidatura. Sozinho, tanto em sua casa quanto durante a apuração dos votos, ele nos explicou porque é considerado, por seus antigos colegas seringueiros, um defensor do atraso e do passado.

O empate foi uma estratégia de resistência pacífica (iniciada aqui em Brasiléia) encontrada pelos seringueiros para combater a expansão dos latifúndios sobre a floresta. Homens, mulheres e crianças faziam um grande cordão humano na frente das árvores para impedir que elas fossem derrubadas, acabando com a atividade dos seringueiros. Hoje a história é diferente, a borracha já não é mais ouro, os seringueiros não conseguem sobreviver, e quem antes praticava o empate, hoje derruba árvores.

Osmarino é das poucas vozes dissonantes que encontramos por aqui. Ele defende o projeto de manejo dos recursos florestais, mas em bases distintas das praticadas até aqui. Para Osmarino, o manejo deve ser empregado, com a diversificação da extração dos produtos da floresta, mas sem incluir nesta lista a madeira. Madeira não é produto, é a própria floresta. Para ele, qualquer derrubada de árvore é agressiva para a biodiversidade local, e a retirada de árvores centenárias não pode ser reposta pela natureza no ritmo avassalador que o Mercado exige.

Assim, o líder sindical sugere investimentos do poder público em pesquisa, para possibilitar a extração e o desenvolvimento de produtos industrializados a partir da castanha, do açaí, de ervas medicinais e do couro vegetal. O caminho escolhido até aqui, com amplo financiamento externo, perpetua o estado na sua condição extrativista, refém das regras do cassino global.

A candidatura de Osmarino foi derrotada. A solidão de Osmarino é a derrubada do cedro, do cumaru-ferro, é o isolamento da castanheira morta no pasto, mamute à beira da Estrada. A solidão de Osmarino testemunha um processo histórico que está trazendo a modernização ao Acre, com suas vias asfaltadas e limpas, com o fim da impunidade dos pistoleiros, com o combate à corrupção, com um projeto coerente que precisa limpar o terreno de suas antigas ervas daninhas, para abrir varadouros e veredas na semeadura e no cultivo das leis do capital e da mercadoria. Com a limpeza promovida por este projeto de civilização, vem a enxurrada de detergentes tóxicos. Só nos restam testemunhas. E o silêncio das folhas e dos pássaros.

Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil

Especial
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