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28/07/2004 - 19h51

As histórias e personagens de Brasiléia

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IVAN DELMANTO
especial para a Folha Online

Em Brasiléia, última etapa da expedição do Teatro da Vertigem, o grupo conhece "personagens" e ouve histórias contadas na cidade acreana. Leia:

Domingo, 25/07/2004: Histórias em Brasiléia

Vida de locatário

O sonho de Cleomir sempre foi possuir um quarteirão. A cidade é da podridão e do vento, os quarteirões pertencem aos homens. Cleomir construiu no quintal um barraco e pedia R$ 40 no aluguel. Com esse valor, ao final de sete meses ele compraria madeira com cupim para mais um barraco, que também seria alugado a R$ 40. Depois de mais sete meses, Cleomir teria dinheiro para comprar madeira e cupim para mais dois barracos, também alugados a R$ 40 cada um.

Sua primeira inquilina foi Dalgisa, mãe solteira de Aline Daniela, 5, e de Claudia Alvira, 3. Quando Dalgisa se enforcou no varal, Cleomir decidiu que precisava limpar o barraco para outros inquilinos. Transcorrido mais um período de sete meses, haveria dinheiro e cupins suficientes para construir mais quatro barracos, depois alugados todos a R$ 40. Para vender a mercadoria e mostrar para Aline Daniela e Claudia Alvira que gostava delas e que elas tinham de ficar quietinhas enquanto ele limpava a casa, Cleomir ensinou-as a fazer amor. Quando terminaram, Cleomir vendeu os órgãos mais caros de Dalgisa, de Aline Daniela e de Claudia Alvira na Bolívia. Ao final de 49 meses, Cleomir teria um quarteirão.

Poema e heterônimo

Abre aspas. Há pessoas que não querem, ou não podem, saber quem são. Fecha aspas. João Suspiro gostava de escrever frases obscenas nas portas sujas dos banheiros mais sujos, e esta frase sempre foi a sua predileta. Abre parêntesis. Quando estou colando cartazes, seja em poste, seja em parede, que o procedimento é o mesmo, eu me chamo João. Gosto de obedecer, faço tudo o que me pedem e paro de passar cola quando o cidadão passa. Gosto do que me pagam e tomo sol sem boné. Na minha casa, gosto de cantar com a porta aberta, gosto de ver televisão com a boca aberta e gosto de falar sozinho da vida dos outros, com os olhos abertos. Então eu me chamo Suspiro e as pessoas todas só me chamam Suspiro. Agora que meu irmão veio de Pernambuco para comigo morar, eu tenho de me vestir na frente das crianças, tenho de comer de boca fechada e dormir e sonhar no escuro. Aí, até em casa eu sou o João. Eu queria ser vários, não queria ser um só, eu queria que o Suspiro voltasse, mas por enquanto ele ainda não voltou, e o João não me deixa suspirar. Fecha parêntesis.

Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil

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