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29/07/2004
-
21h01
IVAN DELMANTO
especial para a Folha Online
Em Assis Brasil, pequena cidade onde fica a área da fronteira trinacional entre Brasil, Peru e Bolívia, o grupo de teatro teve uma visão da miséria dos três países. Leia:
Sábado, 24/07/2004: Tríplice fronteira
A uma hora de Brasiléia, visitamos a minúscula Assis Brasil, cidade onde está situada a área da fronteira trinacional, co-habitada por Brasil, Peru e Bolívia. No domingo, acontecia o Sexto Festival de Praias, evento em que se reúnem, em uma pequena praia do Rio Acre, em território brasileiro, foliões dos três países.
Descendo a pé por uma estrada de lama, disputamos espaço com motos e carros vindos de diversas partes do Acre. A primeira das visões desoladoras nos agredia à beira da estrada, onde palhoças esburacadas tentavam formar os restos de uma aldeia indígena. As casas de palafita e o desequilíbrio torto, mal sustentadas, ameaçavam a todo instante formar um quadro perfeito com a sujeira do lixo jogado pelo chão, atraídas insistentemente pela lama. Um córrego apodrecido, como se fosse o fio do tempo, em uma civilização que caminha para a cabeceira do lixo, completava a paisagem.
Na praia, talvez eu nunca me esqueça, em meio a crianças e jovens das três nacionalidades, pisoteávamos uma areia marrom, de um marrom escuro, como se tingido de gritos, suor, sangue, pus, lamentos, saliva, cerveja, vômito, esperanças. Em algumas barracas traçadas como rabiscos velhos, as pessoas se acotovelavam por churrasco duro e álcool de toda espécie. O rio parecia um sorriso amarelo, dado por dentes cariados. Nas águas sujas, bêbados disputavam espaço com as crianças e com as rodinhas de adolescentes, que dançavam. Havia um grande palco, em que uma hiena desafinada e barriguda cantava, com o acompanhamento de um teclado, versos de sexo explícito. Pisoteávamos a areia na qual a miséria dos três países escurecia o chão e o céu.
Empurrado de um lado para o outro, à deriva nos encontrões, nas brincadeiras e na raiva dos banhistas, um índio peruano, completamente bêbado e enlameado, bebia álcool puro. Imagem da América do Sul e da identidade suicida do continente.
Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil
Especial
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No Acre, grupo de teatro visita cidade onde fica fronteira trinacional
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especial para a Folha Online
Em Assis Brasil, pequena cidade onde fica a área da fronteira trinacional entre Brasil, Peru e Bolívia, o grupo de teatro teve uma visão da miséria dos três países. Leia:
Sábado, 24/07/2004: Tríplice fronteira
A uma hora de Brasiléia, visitamos a minúscula Assis Brasil, cidade onde está situada a área da fronteira trinacional, co-habitada por Brasil, Peru e Bolívia. No domingo, acontecia o Sexto Festival de Praias, evento em que se reúnem, em uma pequena praia do Rio Acre, em território brasileiro, foliões dos três países.
Descendo a pé por uma estrada de lama, disputamos espaço com motos e carros vindos de diversas partes do Acre. A primeira das visões desoladoras nos agredia à beira da estrada, onde palhoças esburacadas tentavam formar os restos de uma aldeia indígena. As casas de palafita e o desequilíbrio torto, mal sustentadas, ameaçavam a todo instante formar um quadro perfeito com a sujeira do lixo jogado pelo chão, atraídas insistentemente pela lama. Um córrego apodrecido, como se fosse o fio do tempo, em uma civilização que caminha para a cabeceira do lixo, completava a paisagem.
Na praia, talvez eu nunca me esqueça, em meio a crianças e jovens das três nacionalidades, pisoteávamos uma areia marrom, de um marrom escuro, como se tingido de gritos, suor, sangue, pus, lamentos, saliva, cerveja, vômito, esperanças. Em algumas barracas traçadas como rabiscos velhos, as pessoas se acotovelavam por churrasco duro e álcool de toda espécie. O rio parecia um sorriso amarelo, dado por dentes cariados. Nas águas sujas, bêbados disputavam espaço com as crianças e com as rodinhas de adolescentes, que dançavam. Havia um grande palco, em que uma hiena desafinada e barriguda cantava, com o acompanhamento de um teclado, versos de sexo explícito. Pisoteávamos a areia na qual a miséria dos três países escurecia o chão e o céu.
Empurrado de um lado para o outro, à deriva nos encontrões, nas brincadeiras e na raiva dos banhistas, um índio peruano, completamente bêbado e enlameado, bebia álcool puro. Imagem da América do Sul e da identidade suicida do continente.
Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil
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