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30/07/2004
-
17h02
IVAN DELMANTO
especial para a Folha Online
Em sua viagem de "redescobrimento" do interior do Brasil, o grupo Teatro da Vertigem se depara com o fracasso dos governos na construção de novas cidades e na incapacidade de encontrar um novo modelo urbano que pudesse modernizar o país. Acompanhe:
Domingo, 25/07/2004: Brasiléia - uma utopia na floresta
Em documento emitido pela Secretaria de Educação e Cultura de Brasiléia, há algumas pistas sobre a fundação da cidade: "A fundação de Brasiléia não se originou como de ordinário acontece à maioria das cidades, em decorrência de uma residência, um campanário, um lugarejo, um povoado. Surgiu da iniciativa idealista, arrojada e sobretudo do sentimento de brasilidade de patriotas imbuídos dos mais altos propósitos. Um grupo de homens, brasileiros autênticos sem bafejo oficial, sem auxílio do governo, sem interesses escusos, resolveram empreender uma tarefa inédita e incomparável de fundar uma cidade."
Para não sofrer com as pedradas do discurso oficialesco, onde está escrito "sentimento de brasilidade", leia-se "interesses econômicos", e onde está escrito "patriotas imbuídos dos mais altos propósitos", leia-se "proprietários interessados na riqueza da borracha". Tradução feita, o texto é interessante porque revela uma face da cidade que coloca sua história ao lado de outras encontradas por nossa expedição: a utopia da fundação de uma cidade nova.
Encontramos esta utopia em Brasília e em seus inúmeros reflexos internos: Vale do Amanhecer, Favela Estrutural, Taguatinga. Seguimos viagem e em Porto Velho encontramos uma cidade fundada para ser a primeira estação de uma ferrovia que traria o desenvolvimento e a civilidade ao interior selvagem do Brasil.
O fracasso comum destes projetos, ou seja, sua incapacidade de propor um novo modelo urbano para a modernidade no país, retrata o naufrágio de utopias que viam na construção de novas cidades a chance de uma nova sociabilidade, que escapasse aos horrores do restante do país.
A utopia de Brasiléia é diferente porque deu certo. A intenção dos seringalistas, que era fundar uma cidade capaz de dar estrutura à extração da borracha, abrindo um polo comercial e urbano na selva, foi realizada com sucesso.
Como por aqui não havia interesse em buscar uma nova sociedade, pelo contrário, o desenvolvimento da cidade serviria para consolidar as relações de trabalho do seringal, talvez tenhamos que chamar, acompanhando os romances de Huxley e Orwell, o projeto relatado no documento acima de Utopia Negativa, a única espécie de utopia realizada com sucesso entre os dentes vorazes do Ocidente, piloto automático guloso e acumulador de mortes, ilusões e capital.
Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil
Especial
Acompanhe o diário de viagem do Teatro da Vertigem
Arquivo: saiba o que já foi publicado sobre o Teatro da Vertigem
Teatro da Vertigem: Brasiléia é uma utopia na floresta
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especial para a Folha Online
Em sua viagem de "redescobrimento" do interior do Brasil, o grupo Teatro da Vertigem se depara com o fracasso dos governos na construção de novas cidades e na incapacidade de encontrar um novo modelo urbano que pudesse modernizar o país. Acompanhe:
Domingo, 25/07/2004: Brasiléia - uma utopia na floresta
Em documento emitido pela Secretaria de Educação e Cultura de Brasiléia, há algumas pistas sobre a fundação da cidade: "A fundação de Brasiléia não se originou como de ordinário acontece à maioria das cidades, em decorrência de uma residência, um campanário, um lugarejo, um povoado. Surgiu da iniciativa idealista, arrojada e sobretudo do sentimento de brasilidade de patriotas imbuídos dos mais altos propósitos. Um grupo de homens, brasileiros autênticos sem bafejo oficial, sem auxílio do governo, sem interesses escusos, resolveram empreender uma tarefa inédita e incomparável de fundar uma cidade."
Para não sofrer com as pedradas do discurso oficialesco, onde está escrito "sentimento de brasilidade", leia-se "interesses econômicos", e onde está escrito "patriotas imbuídos dos mais altos propósitos", leia-se "proprietários interessados na riqueza da borracha". Tradução feita, o texto é interessante porque revela uma face da cidade que coloca sua história ao lado de outras encontradas por nossa expedição: a utopia da fundação de uma cidade nova.
Encontramos esta utopia em Brasília e em seus inúmeros reflexos internos: Vale do Amanhecer, Favela Estrutural, Taguatinga. Seguimos viagem e em Porto Velho encontramos uma cidade fundada para ser a primeira estação de uma ferrovia que traria o desenvolvimento e a civilidade ao interior selvagem do Brasil.
O fracasso comum destes projetos, ou seja, sua incapacidade de propor um novo modelo urbano para a modernidade no país, retrata o naufrágio de utopias que viam na construção de novas cidades a chance de uma nova sociabilidade, que escapasse aos horrores do restante do país.
A utopia de Brasiléia é diferente porque deu certo. A intenção dos seringalistas, que era fundar uma cidade capaz de dar estrutura à extração da borracha, abrindo um polo comercial e urbano na selva, foi realizada com sucesso.
Como por aqui não havia interesse em buscar uma nova sociedade, pelo contrário, o desenvolvimento da cidade serviria para consolidar as relações de trabalho do seringal, talvez tenhamos que chamar, acompanhando os romances de Huxley e Orwell, o projeto relatado no documento acima de Utopia Negativa, a única espécie de utopia realizada com sucesso entre os dentes vorazes do Ocidente, piloto automático guloso e acumulador de mortes, ilusões e capital.
Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil
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