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03/08/2004
-
19h26
IVAN DELMANTO
especial para a Folha Online
De Brasília (DF) a Brasiléia (AC), os integrantes do Teatro da Vertigem descobriram mistérios e segredos do Brasil. Na viagem de pesquisa pelo interior do país, o grupo passou por cidades, praças, igrejas, estradas, prédios, rios e casas que "aguardam o futuro". Para o pesquisador do projeto Vertigem BR3, "o Brasil é o país do eterno encontro marcado com o futuro". Leia:
Sábado, 31/07/2004: Nas pegadas da civilização
Costumeiramente, a viagem é vista como evasão, como forma de fazer das distâncias, tempo, corpo e espaço, um percurso até o esquecimento. O esquecimento e o mergulho em outros mundos, submersos e desconhecidos, com mistérios e segredos sempre prestes a serem abertos, caracterizaria a experiência do viajar.
Nossa viagem também foi assim. Nossa viagem foi deslumbre e encantadora, foi abandono ao lado das folhas levadas pelo vento novo, foi coleção de detalhes curiosos e antigüidades há muito esquecidas, foi durante muitos momentos a estrada que ficou e nos separou de São Paulo, inaugurando, a cada parada, realidades. Nossa viagem também foi o abrir de caixa de música para ouvir melodias de infância e ver, a cada abertura, uma dança nova, recolhendo e guardando com cuidado o precioso do nunca visto.
Mas a viagem também confrontou-nos com as torturas mais miseráveis de nossa existência histórica. Quando a "Imensa Civilização Ocidental" criou suas maravilhas, criou também seus dejetos, conservados como estrutura para o erguimento dos palácios de cristal, dos edifícios e das estradas para o desenvolvimento. Viajar pelo Brasil é como contemplar, do acostamento de uma grande estrada, uma cidade de vidro fosco, amontoado onde se elevam arquiteturas de uma complexidade incompreensível, em que tudo o que há de ordem e de harmonia. Exige a eliminação de uma massa de subprodutos que povoam os esgotos e subterrâneos do mundo envidraçado.
Percorrer o Brasil, como país subdesenvolvido, é passar por inúmeras cidades, praças, igrejas, estradas, prédios, rios e casas em que se aguarda com paciência, resignação e ansiedade predatória o futuro. Percorrer o Brasil, no espaço e no tempo, é bater a cabeça em encontros há muito tempo marcados. O Brasil é o país do eterno encontro marcado com o futuro.
Ao sair de viagem, esperávamos encontrar um país esquecido na espera infinita e circular deste encontro. Não foi o que aconteceu. O futuro compareceu e continuará sendo pontual. A cada cidade em que passamos os ponteiros foram acertados, e nas esquinas os camelôs vendiam imagens e lembranças do futuro. Os jornais só sabiam falar da data marcada para o seu esperado retorno.
Nas curvas de Brasília e nos eixos de suas favelas; nas pichações enfeitando as pinturas rupestres de Serranópolis; na luta pela preservação da história negra e na lama de Vila Bela, ansiosa de joelhos pelo asfalto do futuro; na violenta miséria de Cuiabá, encantada pela beleza verde da Chapada; na devastação de Rondônia, território arrasado por bombardeios, estado formado pelos restos da guerra entre grande latifúndio empresarial e natureza; na resistência "braba" dos povos da floresta acreana e na beleza caricata de suas cidades, que esperam de braços abertos o casamento com a devastação total.
Em cada momento de nosso caminho, seguimos as pegadas do processo civilizatório ocidental, em sua face brasileira, rasgada pelas plásticas e implantes do país atrasado. Este futuro já veio e é possível seguir sua devastação. Também viajamos por estas veredas, nas margens dos rios, bebendo de surpresas e de fracassos.
Dos cristais quebrados forma-se o painel
Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil
Especial
Acompanhe o diário de viagem do Teatro da Vertigem
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Grupo encerra expedição seguindo "pegadas do processo civilizatório"
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especial para a Folha Online
De Brasília (DF) a Brasiléia (AC), os integrantes do Teatro da Vertigem descobriram mistérios e segredos do Brasil. Na viagem de pesquisa pelo interior do país, o grupo passou por cidades, praças, igrejas, estradas, prédios, rios e casas que "aguardam o futuro". Para o pesquisador do projeto Vertigem BR3, "o Brasil é o país do eterno encontro marcado com o futuro". Leia:
Sábado, 31/07/2004: Nas pegadas da civilização
Costumeiramente, a viagem é vista como evasão, como forma de fazer das distâncias, tempo, corpo e espaço, um percurso até o esquecimento. O esquecimento e o mergulho em outros mundos, submersos e desconhecidos, com mistérios e segredos sempre prestes a serem abertos, caracterizaria a experiência do viajar.
Nossa viagem também foi assim. Nossa viagem foi deslumbre e encantadora, foi abandono ao lado das folhas levadas pelo vento novo, foi coleção de detalhes curiosos e antigüidades há muito esquecidas, foi durante muitos momentos a estrada que ficou e nos separou de São Paulo, inaugurando, a cada parada, realidades. Nossa viagem também foi o abrir de caixa de música para ouvir melodias de infância e ver, a cada abertura, uma dança nova, recolhendo e guardando com cuidado o precioso do nunca visto.
Mas a viagem também confrontou-nos com as torturas mais miseráveis de nossa existência histórica. Quando a "Imensa Civilização Ocidental" criou suas maravilhas, criou também seus dejetos, conservados como estrutura para o erguimento dos palácios de cristal, dos edifícios e das estradas para o desenvolvimento. Viajar pelo Brasil é como contemplar, do acostamento de uma grande estrada, uma cidade de vidro fosco, amontoado onde se elevam arquiteturas de uma complexidade incompreensível, em que tudo o que há de ordem e de harmonia. Exige a eliminação de uma massa de subprodutos que povoam os esgotos e subterrâneos do mundo envidraçado.
Percorrer o Brasil, como país subdesenvolvido, é passar por inúmeras cidades, praças, igrejas, estradas, prédios, rios e casas em que se aguarda com paciência, resignação e ansiedade predatória o futuro. Percorrer o Brasil, no espaço e no tempo, é bater a cabeça em encontros há muito tempo marcados. O Brasil é o país do eterno encontro marcado com o futuro.
Ao sair de viagem, esperávamos encontrar um país esquecido na espera infinita e circular deste encontro. Não foi o que aconteceu. O futuro compareceu e continuará sendo pontual. A cada cidade em que passamos os ponteiros foram acertados, e nas esquinas os camelôs vendiam imagens e lembranças do futuro. Os jornais só sabiam falar da data marcada para o seu esperado retorno.
Nas curvas de Brasília e nos eixos de suas favelas; nas pichações enfeitando as pinturas rupestres de Serranópolis; na luta pela preservação da história negra e na lama de Vila Bela, ansiosa de joelhos pelo asfalto do futuro; na violenta miséria de Cuiabá, encantada pela beleza verde da Chapada; na devastação de Rondônia, território arrasado por bombardeios, estado formado pelos restos da guerra entre grande latifúndio empresarial e natureza; na resistência "braba" dos povos da floresta acreana e na beleza caricata de suas cidades, que esperam de braços abertos o casamento com a devastação total.
Em cada momento de nosso caminho, seguimos as pegadas do processo civilizatório ocidental, em sua face brasileira, rasgada pelas plásticas e implantes do país atrasado. Este futuro já veio e é possível seguir sua devastação. Também viajamos por estas veredas, nas margens dos rios, bebendo de surpresas e de fracassos.
Dos cristais quebrados forma-se o painel
Ivan Delmanto é pesquisador e coordenador teórico e de dramaturgismo do projeto Vertigem BR3, do Teatro da Vertigem. Escreve periodicamente um "Diário de Viagem" para a Folha Online, narrando a experiência do grupo pelo interior do Brasil
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