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02/10/2000 - 09h28

Disco de Jorge Aragão vende 700 mil cópias

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CRISTINA RAMALHO
da Folha de S.Paulo

Começou o show de Elza Soares na boate Ôba-Ôba e o vozeirão de Sargentelli anuncia a próxima música: "Malandro", de Jorge Aragão e Jotabê.

"Dois garotos da favela que fazem o samba verdadeiro, desceram do morro para vencer no asfalto", proclama Sargentelli. Na platéia, os tais "garotos", ainda desconhecidos, se entreolham desconfiados.
"Você nunca me falou que era do morro", surpreende-se Jorge.

"Eu não sou, se tem alguém favelado aqui, é você", retruca Jotabê. Era a década de 70, Rio de Janeiro, e o ritmo tinha de ser um só: samba de raiz, feito em rodas de bambas, de preferência acompanhado de caixinha de fósforos, cerveja e mulher desinibida.

Quem conta essa história é o próprio Jorge Aragão, um impressionante recordista de vendas (seu disco mais recente, "Jorge Aragão ao Vivo", o 12º da carreira, vendeu mais de 700 mil cópias quase sem divulgação), que está há 43 semanas nos primeiros lugares das paradas, sem esforço.

"Não gosto dessa coisa de estilo de sambista, não faço coreografia nem visto camisa listrada, mas encho casas de shows há mais de dez anos em Manaus, São Luís, Recife", diz Jorge. "E, de repente, sem fazer nada diferente, viro o rei da vendagem no Brasil."

Bem, um dos seus maiores hits, "Coisinha do Pai", tocou até em Marte. Lembra-se? Em 97, quando a sonda Sojourner passeava pelo solo de Marte, o robozinho intergaláctico despertava ao som do samba cantado por Beth Carvalho. Obra de Jaqueline Lyra, uma cientista brasileira da Nasa.

A coisa toda rendeu um curta-metragem, exibido na semana passada no Espaço Unibanco: "Os Outros", de Fernando Mozart, no qual um pesquisador marciano tenta explicar ao chefe o que significa "Coisinha do Pai". "Fiz essa música para minha filha Vânia, fiquei sabendo pela tevê que tocou até em outro planeta. É tão irreal."

Jorge, o anti-herói do pagode, também não entende o que significa seu sucesso neste pedaço da Terra: ele nunca subiu um morro nem vê graça em cerveja (embora admire, à distância, as moças desinibidas dos outros), porém insiste em ciscar no terreno dos sambistas puros. E sempre achou esses clichês de "malandro-de-pandeiro" uma grande bobagem.

Acontece que Elza Soares, a primeira a gravar uma canção dele, em 77, só anteviu, bidu, o que o chantilly do samba reconheceria logo depois: que o "Poeta Jorge" é bamba nas letras e sabe falar de amor a ponto de ganhar o exagerado apelido de "Chico Buarque do samba". Suas músicas foram -e são- disputadas por Elizeth Cardoso, Ivone Lara, Beth Carvalho, Alcione, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Sandra de Sá...

Agora esse sujeito que diz nem ter uma escola de samba preferida (fica em cima do muro na hora do Carnaval, apesar de durante oito anos ter exercido a função de comentarista dos desfiles na TV Globo) lota casas de shows como o Olympia, em São Paulo.

Quando canta no Nordeste, precisa de um corredor de seguranças para protegê-lo das multidões. "Deus é muito bom para mim."

A providência divina já lhe cutucava há muito tempo: Jorge até tentou uma vida comum, longe dos palcos e mais condizente com o perfil de quem largou a escola e nunca teve grandes ambições: foi ser vendedor de sapatos, mas não convencia. "Eu odiava o sapato que me deram para vender, era marrom, horroroso." Não vendeu nenhum de vergonha.

Resolveu trabalhar com corridas de moto. Deram para ele um cronômetro para que ele medisse o tempo dos motociclistas. "Era muita moto junta, os caras passavam correndo, quando eu apertava o troço já era tarde", conta.

"Eu só queria tocar, a música era e é a minha vida." Mas, quando era garoto, a música fazia, no máximo, com que ele se metesse nuns terninhos desbotados para solar ao violão junto com os "The Pops", que sapecavam Frank Sinatra para casais aos sábados.

Jorge não dançava, era ruim de paquera, mas um dia, tempos depois, tudo foi diferente: casado ainda com a primeira mulher, desconhecido, ele avistou na rua uma mulata daquelas de fazer homem de bem largar a família. E Jorge largou: chamou a moça, levou-a para um bar e se declarou.

Fátima ("uma negra linda, muito mais bonita do que essas loiras que pagodeiro arranja") e ele estão juntos há 20 anos. O "Chico Buarque do samba" se inspira nela para fazer suspirar as milhares de mulheres que vão ouvir sua voz doce, o gingado suave no corpo rechonchudo, a léguas do estilo de um Alexandre Pires.

Elas aplaudem, ele continua sem fazer concessões ao mundo do showbiz: recusa-se, por exemplo, a cantar bis. "Querem me obrigar, mas eu nunca cantei bis. Todo mundo sai feliz dos meus shows, se o bis é tão importante então quer dizer que o show não valeu", diz. E questiona a glória: "Sei não, esse negócio de vender 700 mil tá me obrigando a fazer tipo de sambista."

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