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14/08/2004 - 06h44

Livros do filósofo Roland Barthes ganham reedição brasileira

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MARCELO PEN
crítico da Folha

No prefácio a "O Rumor da Língua", recentemente relançado, a professora e crítica literária Leyla Perrone-Moisés diz que, nos anos de 1960 e 1970, Roland Barthes (1915-1980) andava, como se dizia, "na crista da onda": os jovens empregavam citações do escritor francês da mesma forma como "ostentavam calças boca-de-sino, casacos afeganes ou tamancos suecos".

De lá para cá, desde a trágica morte do autor, atropelado por uma camioneta quando saía do Collège de France, onde lecionava, muita coisa mudou. Suas obras não causam o mesmo furor. Há quem gostaria de relegá-lo inteiramente ao passado como "filósofo dos "sixties'", ao lado de Foucault e Lacan.

Por isso, com a publicação de suas obras completas (desde 2000) na França e o lançamento da "Coleção Roland Barthes" (desde o ano passado) no Brasil, da qual fazem parte os novos volumes "O Rumor da Língua" e "O Grão da Voz", cabe perguntar: por que ler o escritor nos dias de hoje?

Em entrevista à Folha, Leyla Perrone-Moisés, organizadora da coleção brasileira, concorda que a obra de Barthes passou por um "purgatório" nos anos de 1980. Mas a situação vem mudando: "Em 2000, foram celebrados os 20 anos de sua morte com um colóquio na Universidade de Yale, que teve a participação de grandes nomes como Susan Sontag".

Em 2002, abriu-se uma exposição multimídia no Centre Georges Pompidou, que "atraiu milhares de espectadores" e onde "cada etapa da obra de Roland Barthes era ilustrada por quadros, objetos, vídeos e gravações de sua bela voz. No centro da exposição, via-se sua biblioteca e um simulacro de jardim zen".

Segundo Perrone-Moisés, algumas das principais formulações de Barthes viraram moeda corrente, como a idéia do "saber com sabor", a noção de "efeito de real" (para designar os limites do realismo em literatura), a rejeição da "doxa" ou opinião dominante (inspirada em Brecht), a definição de literatura como "revolução permanente da linguagem".

O contato de Perrone-Moisés com Barthes data da época de seus últimos seminários, que ela freqüentou em Paris. Não imaginava, então, "o quanto continuaria trabalhando com sua obra, sem ele".

Como coordenadora da coletânea, seleciona inéditos, revê novas traduções e escreve introduções. Foi dela a idéia de fazer capas com os desenhos do autor, característica inédita da coleção brasileira. "Posso dizer que, de um ano para cá, não passo um dia sem reler Barthes", afirma.

Escopo largo

As preocupações do escritor abrangem um largo feixe de assuntos, como indicam, por exemplo, as entrevistas contidas em "O Grão da Voz": da semiologia à política, da teoria literária à pedagogia e à sociologia. Perrone-Moisés acredita que não se deva classificá-lo como filósofo ou pensador, mas antes, como escritor.

"Seus escritos pertencem a um gênero indefinido, misto de ensaio e de romanesco, que eu chamei de "crítica-escritura". Ele usa, sim, cada um de seus temas como um pretexto, mas o objetivo não é o conhecimento desses temas, é apenas a resposta a algo que o tocou pessoalmente e de que ele se apropria ao escrever."

Exemplos de sua resposta muito particular às coisas do mundo podem ser a fotografia, abordada em "A Câmara Clara"; o Japão, país sobre o qual ele discorre em "L'Empire des Signes" (O Império dos Signos), livro sem tradução no Brasil por problemas de direito autoral; e a questão o amor e o desejo, em "Fragmentos de um Discurso Amoroso", seu texto mais popular.

Várias fases

Perrone-Moisés lembra que a obra de Barthes atravessou várias fases: "Da crítica ideológica de fundamentação marxista ["O Grau Zero da Escrita", "Mitologias'] ao estruturalismo e à semiologia ["Elementos de Semiologia", "Sistema da Moda']; e dessas a uma etapa assumidamente pessoal, inspirada por Nietzsche e pela psicanálise ["O Prazer do Texto", "Roland Barthes por Roland Barthes']".

Enfim, há um período marcado pela "celebração da literatura do passado mais do que das vanguardas". Nesse estágio, Barthes alimentou o desejo de escrever um romance, gênero que considerava esgotado. "Essa última fase de Barthes, desconhecida entre nós, virá à luz com a publicação em português de seus dois últimos cursos no Collège de France ["A Preparação do Romance I e II", pela Martins Fontes, no prelo]", anuncia Perrone-Moisés.

"Tudo indica que Barthes não gostaria da chamada pós-modernidade e que tampouco se identifica com o pós-estruturalismo tal como o viveu e teorizou. Ele também ficaria muito infeliz de assistir ao triunfo do mercado e da cultura de massa. A melancolia de sua última fase dá indícios disso."

No final da vida, conta Perrone-Moisés, Barthes achava maçantes suas antigas formulações semiológicas e se entediava quando algum aluno resolvia discutir com ele o assunto. Ele dizia: "Para eles, é óbvio que não mudei, que continuo ali como uma estátua, à disposição deles. Ora, não estou mais ali onde me procuram. Essa é uma imortalidade desagradável".

O RUMOR DA LÍNGUA/O GRÃO DA VOZ
Autor:
Roland Barthes
Org.: Leyla Perrone-Moisés
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 49,80 (486 págs.) e R$ 54 (526 págs.), respectivamente

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