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28/08/2004 - 09h00

Montagem de "Blasted" dilui a potência de Sarah Kane

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SERGIO SALVIA COELHO
crítico da Folha

Sarah Kane é a cara de São Paulo. Seu estranho senso de humor, feito de solidão, sexualidade mórbida e um lirismo alucinante combina com o cínico e cinza tom local. Depois das montagens de "Purificados", "Ânsia" e "4.48 Psicose", bandeiras do teatro experimental, surge agora "Blasted": não há mais necessidade nem de traduzir o título.

A sua obra, no entanto, chega em ordem cronológica inversa. "Ânsia" e "Psicose", as duas últimas peças que escreveu, já sob influência de Büchner e Beckett, constituem um desafio técnico para o encenador, com um texto quase concreto. "Blasted", porém, ainda bastante naturalista, é o texto de estréia de uma provocadora de 24 anos, que a partir do Royal Court Theatre Upstairs, de 60 lugares, indignou os jornais ingleses a ponto de Harold Pinter ter que socorrer sua discípula: "Sarah Kane está encarando algo real e verdadeiro, e feio, e doloroso".

A autora, indiferente à fama instantânea, disse apenas: "A violência em minha obra é repulsiva porque eu a apresento sem atrativos". E protestou contra o fato do estupro e assassinato de uma adolescente no dia da estréia ter atraído menos atenção da imprensa.

Esse é o tema de "Blasted": a crueldade nas relações interpessoais refletindo e gerando a explosão da violência social. Ian, um jornalista de tablóide, estupra em um hotel de luxo uma menina quase deficiente mental; por sua vez, é estuprado por um soldado vindo da guerra civil que explode lá fora. O discurso linear do início se esgarça em flashes cada vez mais grotescos: mutilações, suicídio, canibalismo.

O erro estratégico do encenador Marco Antônio Rodrigues foi o de ter privilegiado a forma, em detrimento da atuação. Logo no início, sons ambientes pré-gravados criam eficientemente uma atmosfera de angústia, mas o truque se estende sem necessidade ao longo da peça e acaba por roubar o foco. Da mesma forma, um chuveiro minimalista faz belo efeito, mas não ajuda a marcação, e a explosão do quarto de hotel é puro efeito cênico.

Tais atrativos desamparam assim os atores. Joana Mattei tem o físico perfeito para o papel, mas seu bom preparo serve para preencher com coreografias uma falta de integração com Laerte Mello, e seu estupro se resolve com vocalizes. Mello, também tradutor da peça, se limita a fazer um Ian tão pueril quanto a moça que violenta, e a crueldade tem que ficar toda para Nicolas Trevijano que, excessivamente caracterizado, resulta caricatural.

O esforço de evitar uma individualização psicológica dos personagens, em nome de uma denúncia brechtiana, acaba desarmando os conflitos que são justamente a ponte que a autora estabelece entre o indivíduo e a sociedade. Pior: com o excessivo apuro estético da encenação ofuscando a crua fábula de Kane, acaba se diluindo em apenas uma sucessão constrangedora de efeitos e aberrações. É pena, vindo de uma companhia que tanto se aprofundou em sua obra.

Avaliação:

Blasted
Texto:
Sarah Kane
Direção: Marco Antônio Rodrigues
Com: Laerte Mello, Joana Mattei
Onde: Cacilda Becker (r. Tito, 295, tel. 3864-4513)
Quando: sex. e sáb., às 21h; e dom., às 20h; até 3/10
Quanto: R$ 10

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