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29/08/2004 - 04h00

Matthew Herbert fala de política e eletrônica

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GUILHERME WERNECK
Editor-adjunto da Ilustrada da Folha de S.Paulo

Matthew Herbert, 32, faz em São Paulo, na abertura da versão brasileira do festival eletrônico Sónar, o que diz ser o último show com a sua big band de jazz. Encarnado personas diferentes --Doctor Rockit, Wishmoutain e Radioboy-- até assumir o próprio nome, Herbert é um dos responsáveis por produzir, desde meados da década de 90, uma música eletrônica criativa, baseada na house, no electro e no jazz.

Dos discos de house de Dr. Rockit ao libelo contra as marcas globalizadas do disco "The Mechanics of Destruction", lançado sob o nome de Radioboy e disponível de graça na internet, Herbert sempre se preocupou em apresentar uma produção eletrônica original e, mesmo que de forma pouco óbvia, política.

Essa busca por originalidade o levou a criar o manifesto PCCOM (Contrato Pessoal para a Composição de Música, na sigla em inglês), que, entre outras coisas, não admite o uso de samples de músicas preexistentes e de baterias eletrônicas, e é a chave para entender a dinâmica de sua produção.

Com a Matthew Herbert Big Band, que gravou o álbum "Goodbye Swingtime" no ano passado, a sua fonte de samples é toda uma orquestra composta por alguns dos melhores músicos de jazz britânicos, que ele manipula em tempo real.

Leia trechos da entrevista que Herbert concedeu à Folha por telefone, de Londres, e em que ele fala da big band e de suas idéias sobre música eletrônica e política.

Folha - Você tem tocado o repertório de "Goodbye Swingtime" há quase dois anos. O que mudou no som da big band nesse tempo?

Matthew Herbert - O som ficou quase irreconhecível. Quando fomos para o estúdio os músicos nunca tinham visto a música antes. Nós tocamos duas vezes e depois já gravamos. E, claro, agora eles já tocaram umas cem vezes e a música sai bem diferente. Eles entendem que algumas partes têm de ser realmente desagradáveis e que outras têm de ser muito bonitas. Há muito mais controle e confiança agora. O disco é tímido se comparado ao som da banda.

Folha - Tocar com uma banda é uma forma de resolver um problema da música eletrônica, que é uma apresentação estática do artista com suas máquinas?

Herbert - Sim. Para mim é uma libertação. Eu gosto do fato de que é um show de eletrônica, mas que, se faltasse energia, nós poderíamos continuar tocando. É uma coisa estúpida de dizer, mas, em um certo sentido, numa apresentação eletrônica você se sente menos músico, como estivesse trapaceando. Não acredito que seja correto dizer isso em termos de composição, mas, ao vivo, eu sinto que num monte de performances eletrônicas há trapaça mesmo, porque boa parte do som está estabelecida dias antes do show. É por isso que eu trabalho sampleando em tempo real, porque eu não consigo prever o que vai acontecer durante a noite.

Folha - No seu site é possível ver os custos da Guerra do Iraque em tempo real. Desde o princípio você se opôs à guerra e à política externa de Tony Blair. Você pensa que esse tipo de oposição é eficaz?

Herbert - Eu penso muito que quando você participa de uma comunidade artística, se quiser, você adiciona a sua voz ao descontentamento político. Se um jornalista escreve um artigo sobre o fato de que a guerra é ilegal, isso não não pára a guerra. Eu se eu escrevo uma canção dizendo que a guerra é ilegal, ela também não pára a guerra. Mas quando você combina uma música, um livro, um comentário no rádio, você se torna mais uma voz e deixa claro que você é parte de uma filosofia maior, segundo a qual é errado começar uma guerra. Eu acho que, se você tem uma voz pública e se posiciona com paixão em relação a determinado assunto, você não tem outra alternativa a não ser achar um jeito de se expressar.

Folha - Você pensa que a política externa de Tony Blair e o fato de ele ter se mostrado submisso a George W. Bush desapontou os ingleses?

Herbert - Eu devo dizer que eu estou desapontado com ele no nível humano. Porque ele é um primeiro-ministro muito cristão e fala muito sobre moralidade nos mesmos termos que Bush o faz. Usar essa religiosidade e esse moralismo para dar suporte a uma guerra que vem sendo criticada em todo o mundo é uma situação muito peculiar, horrorosa. Eu certamente penso que um primeiro-ministro de esquerda ser o melhor amigo do presidente que está mais à direita no mundo é muito estranho. E me impressiona o quanto Bush é radical na direção errada. Mesmo assim, usando a lógica, eu prefiro ele a Bill Clinton, porque Bush é claramente um alvo mais óbvio. Clinton fez coisas muito parecidas com as que o Bush faz, mas de um modo mais camuflado.

Folha - Você estava em Nova York no 11 de Setembro e gravou as reações das pessoas. Por que você nunca usou esse material?

Herbert - Foi porque eu achei que eu iria morrer e as gravações eram realmente confusas. Havia o som das torres caindo e o o som das pessoas enlouquecendo. Acho que deve haver uma razão para você ordenar esses sons e organizar isso em música. Tem de haver um motivo e uma estrutura que levem a utilizar essas coisas. Eu cheguei a pensar em usá-los no aniversário dos ataques.

Folha - Eles não são mórbidos?

Herbert - Eles são, é muito estranho. Para ser muito honesto, eu não quero amplificar a tragédia ainda mais. Há mais civis mortos no Iraque nos últimos seis meses do que os mortos no 11 de Setembro. Não quero que pensem que a morte de pessoas no Iraque ou no Afeganistão é uma tragédia menor. Acho que George W. Bush e os terroristas são ambos expressões do mal. E eu não quero amplificar ou participar do processo de fazer dessas pessoas santos ou mártires. Acho que uma vida no Iraque vale o mesmo que uma vida em Nova York. E preciso achar um modo de expressar que esse episódio foi apenas trágico.

Especial
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